segunda-feira, 29 de junho de 2009

A INILUDÍVEL


Viver me ensinou que nem todas as perguntas que me inquietam terão respostas, pois, diferentemente das alfaces, as respostas não aguardam em um canteiro, prontas para serem colhidas. Assim, viver transforma-se em um constante construir.
Todos os dias, manhã após manhã, recolho ao longo dos meus caminhos pedaços do quebra-cabeça que vou montando, como em um mosaico que nem sempre sara a dor de minhas inquietações.
Este negócio de colecionar crepúsculos, às vezes, me dá uma angústia terrível.
Olhar pelo retrovisor de minha vida e constatar que muitos dos janeiros que já se perderam no tempo (por isso, não fazem o mínimo sentido para a juventude nesta primeira década do século XXI) ainda latejam em meu armário de recordações, arranca de meu peito um poema doído que nunca escrevi.
Sei que aos poucos uma ampulheta virtual está marcando o compasso da minha existência, e, é claro, de todos os seres humanos.
No arrastar dos anos que escoam das cotas de todos nós, vão ficando pessoas queridas, amigos, parentes, conhecidos, celebridades e até aquele cãozinho de estimação que nunca se esqueci. Mesmo assim, resoluto, caminho rumo ao amanhã que não sei como será, ou se será, mas que, se depender do hoje que penso construir, quero que seja cheio de algodão doce e balões coloridos.
Neste final de junho de 2009, todas as TVs e jornais do planeta anunciaram a morte de Michael Jackson, astro que, aos cinqüenta anos de idade, deixou o palco do mundo e suscitou uma avalanche de perguntas.
Tem certos momentos que fico pensando nas incertezas, nas dúvidas, nas perguntas que parecem não ter respostas. Olho para o espelho e minhas rugas não me acalentam. Em silêncio espectral, miro o fundo dos meus olhos e penso que a chegada da “indesejável das gentes”, a “iniludível”, é a grande certeza legada a todos, sejam celebridades ou não e este é o grande mérito da morte: igualar todos os seres humanos.
Quando criança, eu me divertia com brinquedos feitos por mim mesmo: carrinho de carretel de linha, vaquinhas feitas com tenras mangas caídas dos pés no quintal de minha infância, bolas de meias e outras coisas domésticas. Naquela época, os janeiros pareciam muito mais distantes dos dezembros. A vida escorria pelas paredes do tempo como uma lesma e a inexistência das tecnologias de comunicação tornavam pequenas distâncias em espaços instransponíveis.
Meu mundo cabia dentro de mim, entretanto, naqueles anos idos, os embriões das inquietações já pululavam dentro da criança que fui. É claro que sem muita consciência, como deve ser na infância e somente mais tarde, nos primeiros poemas na adolescência, os pontos de interrogações começaram a espetar minha carne.
Mesmo não tendo respostas, enquanto a “iniludível” for para mim apenas matéria para reflexões e combustível para poesia, vou celebrando a vida. Uma coisa é certa: assim como Elvis, Michael Jackson não morreu. E não morreu simplesmente porque Mito não morre.


Aparecida de Goiânia, 29 de junho de 2009 – 11h:27m

Almáquio Bastos

sexta-feira, 12 de junho de 2009

ENVELHECER


Antes, todos os caminhos iam.

Agora todos os caminhos vêm.

A casa é acolhedora, os livros poucos.

E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.


Mário Quintana.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

RECONHECIMENTO DO AMOR




Amiga, como são desnorteantes
os caminhos da amizade.
Apareceste para ser ombro suave
onde se reclina a inquietação do forte
(ou que forte se pensava ingenuamente).
Trazias nos olhos pensativos
a bruma da renúncia:
não querias a vida plena,
tinhas o prévio desencanto das uniões para toda a vida,
não pedias nada,
não reclamavas teu quinhão de luz.
E deslizavas em ritimo gratuito de ciranda.



Descansei em ti meu feixe de desencontros
e de encontros funestos.
Querias talvez - sem o perceber, juro -
sadicamente massacrar-te
sob o ferro de culpas e vacilações e angústias que doiam
desde a hora do nascimento,
senão desde o instante da concepção em certo mês perdido na história,
ou mais longe, dese aquele momento intemporal
em que os seres são apenas hipóteses não formuladas
no caos universal.


Como nos enganamos fugindo do amor!
Como o desconhecemos, talvez com receio de enfrentar
sua espada coruscante, seu formidável
poder de penetrar o sangue e nele imprimir
uma orquidea de fogo e lágrimas.
Entretanto, ele chegou de manso e me envolveu
em doçura e celestes amavios.
Não queimava, não siderava; sorria.
Mal entendi, tonto que fui, esse sorriso.
Feri-me pelas próprias mãos, não pelo amor
que trazias para mim e que teus dedos confirmavam
ao se juntarem aos meus, na infantil procura do Outro,
o Outro que eu me supunha, o outro que te imaginava,
quando - por esperteza do amor - senti que éramos um só.

ANDRADE, carlos Drummond de, in: Amar se Aprende Amando,
Rio de Janeiro, Record, 1987. p. 13 (Fragmento)






VOLTANDO A FALAR DE SONHO

Sonho é matéria invisível Igual carícia de vento Pode ser lembrança vivida Ou coisas que invento. Quando meu coração Acorda sorrindo E diz...