quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

FEVEREIROS



Talvez não tenha vivido em mim mesmo, talvez tenha vivido a vida dos outros.
Do que deixei escrito nestas páginas se desprenderão sempre – como nos arvoredos de outono e como no tempo das vinhas – as folhas amarelas que vão morrer e as uvas que reviverão no vinho sagrado.
Minha vida é uma vida feita de todas as vidas: as vidas do poeta.
Confesso que vivi – Pablo Neruda


Sou muito fevereiro
Em meu jeito de ser.
Nascido aos 28 dias do mês
Por um triz seria ovo de indez.

Mas ser quase bissexto
Não me é estigma nem peculiaridade
Tampouco me confere no calendário
Alguma notoriedade.

Sou pisciano, é verdade, e carrego comigo
A natural sensibilidade zodiacal.
À parte isso, tudo que faço e digo
É parte do meu jeito rude e mau.  

Quando acordei para a poesia
A adolescência já me consumia.
Vencer a mim mesmo
Era meu maior desafio.

Confesso que tenho saudade de meus poemas
Cheios de problemas pueris
Poluções noturnas, amores impossíveis
E complexos existenciais.

Mas vencida da crise da vil puberdade
Aprendi a não ter medo da idade vilã
Mas foi aos poucos, com chegada das cãs,
Que alcancei a serena idade.

Mesmo nessa minha fase outonal
Nunca desaprendi de exercer a ternura
Mas como não sou um poeta sazonal
Também aprecio fruto temporão com sabor de loucura.

Ao se completar cinquenta e nove
Já se vislumbra o portal apoteótico dos sessenta
Mas como nem tudo com o tempo se resolve
Degustarei com calma o vinho que me dessedenta.  

Posso dizer que vivo uma nova e mágica puberdade
E amo fazer festa regada com elã de poesia
Porque não existe prazo de validade
Para se exercer a terceira idade com autonomia.
Maktub!

28 de fevereiro de 2018.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

LOUCA SERENIDADE




Conheço pessoas que acham estranha
Minha paixão por orquídeas.
Elas falam assim:
Esse negócio de orquídeas, poesias, sei não...
E soltam uma gargalhada de perdoável deboche.

Eu rio 
Porque sei que é tudo brincadeira.
Não acredito que haja maldade
Na declarada falta de sensibilidade.
Para mim o tempero das coisas
E que faz toda diferença
É o delicado sabor da diversidade.

Muitas são aqueles
Que pensam que os verdadeiros poetas
Estão mumificados dentro dos Antigos livros de história.
Quem assim pensa  jamais compreenderia
Como em pleno século vinte e um
Uma pessoa comum
Possa criar seu próprio oásis.

Essas pessoas se assombrariam  
Se me vissem cavalgar no lombo de cometas
Livre das amarras sociais
Colhendo brilho de estrelas com os olhos
Fazendo mil estripulias em inimagináveis alturas
Só para provar o cheiro e o tempero das uvas de Baco
Em deliciosas e insanas aventuras.

Aos que incompreendem
Minha suposta excentricidade
Digo que uma parte de mim é moldada pela razão. 
Homem comum, caseiro, casado
Servidor público a paisana ou fardado.

O outro ser que sou é moldado pela emoção
Um eu que não cabe inteiro em mim.
Se minha face razão é raiz que me crava ao chão
Meu lado poeta é meu Shangri-la, paraíso sem fim.

Nesse mundo paralelo, oásis de alegrias
Sou domador de cavalos alados
Odisseu desbravador de mares bravios
Minha saga é fazer das peripécias minha poesia.
 
Por isso amo as orquídeas em sua inexplicável  beleza
Elas me libertam da opressão da urgência que nos mata
Florescem ao seu tempo e se impõe com delicadeza
Como encanto de mulher cuja delicada magia nos ata.

Assumo minha identidade paradoxal
Ora sou raiz, cravado ao chão de mim mesmo
Ora sou ave de arribação preso ao sul infinito pela emoção.

Assim, dividido entre mito e realidade
Vou cultivando minhas orquídeas
Com minha louca serenidade. 


* Foto do meu acervo pessoal, orquidea fotografada por mim em meu quintal. 


Décimo terceiro poema do desafio #quaresmapoética
26.02.2018

domingo, 25 de fevereiro de 2018

SURDEZ FUNCIONAL

Há pessoas que são completamente surdas
Mesmo possuindo excelente audição. 
Elas ouvem mas não escutam
Porque tem fones de ouvido invisíveis 

Perpetuamente conectados aos próprios umbigos.
Quando são confrontadas em tentativas de diálogos

Elas fingem prestar atenção, mas seus olhos
Não conseguem disfarçar a impaciência com a situação.
Finda a pseuda conversa
Eles desconversam
E vão embora levando consigo
A própria certeza
Mesmo que digam que não.




Décimo segundo poema do desafio #quaresmapoética

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

VOCÊ DENTRO DO MEU PENSAMENTO



Neste exato momento
Estou olhando para você
Dentro do meu pensamento.
Seus olhos não me veem
Mas eu a vejo em minha fantasia
Ora completa, plena, inteira
Ora por partes, em rápidos lampejos
Mas sempre na medida exata da poesia
Borbotões em clarões de desejos.

Enquanto penso, seu nome me vem à boca
Mas eu não o pronuncio, nem mesmo baixinho.
Faço segredo para mim mesmo.
Às vezes ele vem de forma doce, serena
E às vezes vem em avalanche, de forma louca,
Mas sempre sempre sempre com muito carinho.

A medida da minha ternura
É diretamente proporcional
A delicadeza de sua candura.
Lembrar de seu olhar de mulher

Faz eu amar meu jeito homem de ser.
Simples assim. Dá para perceber?

Se você pudesse ler pensamento

Saberia como estou vendo você agora.
Talvez até ficasse ruborizada
Ao descobrir como você é linda 
Na moldura do meu sentimento.

23/02/2018
Décimo poema do desafio #quaresmapoética

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

VONTADE REVOLUCIONÁRIA




Sartre
Do Alto de sua sabedora existencialista
Praticou filosofia em “A Idade da Razão”.

Pensando nisso
Coloquei minha liberdade
Na bancada de análises
E, prestes a completar cinquenta e nove,
Vi que nem tudo se resolve
Apenas com filosofia.

Exemplo:

Hoje pela manhã
Após tomar um bom gole de café sem açúcar
Assistindo ao sangrento noticiário na TV
Fui conversar com meus cachorros
Regar as plantas
E semear sementes de estrelas
Nos vários cachepots de orquídeas de meu quintal.

Sempre faço isso
Para começar o meu dia
Na esperança de colher poesia.  

Meu existencialismo
Tem gosto de café quente
Rotina diária
E vontade revolucionária. 


22.02.2018


quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

APRENDIZAGEM




Descobri a paixão pela fotografia.
Como exercício diário
Estou aprendendo
A fotografar com os olhos.
É interessantíssimo
Deparar com alguma cena
Ou mesmo uma simples imagem
E, imediatamente,
Sem nada nas mãos,
Imaginar o melhor ângulo
Para fazer o enquadramento
A fim de obter a melhor composição. 
Após fazer a captura mental
Prossigo meu caminho
Levando um sorriso nos lábios
E a certeza  da possibilidade de uma fotografia genial.

A vida
Assim como a arte de fotografar
É feita de aprendizagens.
Desde o berço,
Quando aprendemos a praticar a primeira ação
Até quando chega a velhice
E pressentimos a proximidade do caixão.

Em nossa curta existência,
A conquista da sonhada felicidade
Pode depender da sabedoria ao usar o tempo
De aprendizagem sem perder oportunidade.



21.02.2018
Oitavo poema do desafio #quaresmapoética

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

TOTEM EM MEMÓRIA DA FÉ, ÉTICA E MORALIDADE



Dou a mão à palmatória
Mas não me rendo.
Minha trincheira de resistência
Será o marco de minha dignidade.
O século XX passou num piscar de olhos
E nem parece que sou do século passado,
De onde venho sem saudosismo, mas trazendo muita saudade.

Hoje sobrevivo numa sociedade contaminada
Por avalanches de ismos abjetos
Por isso faço deste poema
Um totem em memória da ética, fé e moralidade.

Que tristeza ver tantas bandeiras podres
Tremulando em mãos de pessoas que perderam a bússola
E os rumos da sobriedade
Ao se alistarem nos extremistas exércitos
Da nova inquisição.

Os inquisidores estão por todos os lados
Ostentando seus crachás de deboche
Enquanto os sobreviventes que não aceitam
À demonização e morte da família tradicional
Andam de cabeças baixas
 E medem as palavras
Porque sabem que patrulhas de soldados zumbis
Ocupam os corredores do mundo
Caçando "bruxas" acusadas de diversos preconceitos gramaticais:
Diversidade em gênero, número e grau.

De longe se ouve o coro dos passageiros do barqueiro Caronte
Entoando máximas inspiradas no cânon da unilateralidade.
Mas não me interessa as bandeiras extremistas
E os ranços ideológicos dessa nova sociedade.
Sei que o tempo cuidará de fazer o expurgo
Lançando na latrina dos degetos escatológicos
O que não passar pelos filtros do amor, perdão e bondade.

Sétimo poema do desafio #quasresmapoética

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

REPENSAMENTO



Considerando a possibilidade
De mudar minha reputação
Penso que talvez fosse prudente
Deletar meu acervo de poemas
Eivados com seivas de alquimias
Sob a égide da emoção.

Com apenas um toque na tecla DEL
Faria inexistir todo meu passado poético sob suspeição
E colocaria um ponto final na trajetória de degredos voluntários
Alegres alegorias metafóricas
Viagens em voos imaginários
Mitos, musas e amores de verão.

Por fim
Expurgados os poéticos pecados
Rascunharia uma tese
Sem mácula de poesia
Seriam textos isentos de metáforas

Despidos de fantasias
Nua realidade
Em retratos da vida em agonia.

Os artigos totalmente nus
Versariam sobre sustentabilidade
Balas ditas perdidas
Questionáveis ideologias
Dentre outras mazelas
Catástrofe nacional.

Eu deixaria de ser poeta
Para ser um técnico da escrita
Dedicadíssimo relator
Exegeta da razão
Especialista em esmiuçar o intestino das coisas
Mas sem amor, sem emoção.

Por enquanto,
Melhor permanecer no futuro do pretérito
Mesmo sob ameaça da inquisição.



Sexto poema do desafio #quaresmapoética

VOLTANDO A FALAR DE SONHO

Sonho é matéria invisível Igual carícia de vento Pode ser lembrança vivida Ou coisas que invento. Quando meu coração Acorda sorrindo E diz...