terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

CONTABILIZANDO FEVEREIROS




Não consigo contabilizar fevereiros
alheio a reflexões.
Mês atípico no tamanho
e na bissextualidade, 
fevereiro carrega a pecha
de dotar piscianos com 
sensibilidade.

Meus cabelos não tem
“cinquenta tons de cinza”
mas sei que as cãs denunciam
a aproximação da terceira idade.

Sou do século passado, é verdade,
mas isso não me entristece,
muito pelo contrário,
vinho envelhecido me apetece.

Vinte e oito de fevereiro é assim,
último dia do mês que não chegou ao fim.
até que as águas de março fechem o verão,
festejo meu aniversário, seja bissexto ou não.

Na sucessão do ciclo das estações
a ampulheta me mostra uma dura realidade.
Vã é a tolice de postergar emoções
e a avareza com amor e cordialidade.

Amar é verbo que se conjuga no presente,
Pois no futuro pode ser uma temeridade.
De que adianta esconder a semente
Sem plantar para colher na posteridade?

Não costumo economizar carinhos
Também não sou de negar afeto.
Sou dado a abraços, chamegos e beijinhos,
Mas também sei ser duro e direto.

Se o futuro a todos é uma incógnita,
A velhice é mais que um presente
E deve ser a somatória bendita
Da graça dada pelo Deus onipotente.




Poeta Almáquio Bastos,
Em 28 de fevereiro de 2017
Ao completar 58 anos de idade.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

DEPOIS DO POEMA DERRADEIRO



Minto quando digo
Que não lhe escreverei mais. 
Poeta não tem palavra. 
Poeta é palavra.

Depois do poema derradeiro
Sempre tem outro
Com aroma de primeiro.

Na soma dos sentimentos
Matemática mente
Se o poeta não fala o que sente.

Meus pensamentos 
Não me pertencem 
Quando viram poemas.
Tornam-se lúmens estelares
Que viajam errantes
Na alma dos amantes.

A quem pertence o brilho faiscante
Das estrelas se não quem o vê?
Impossível terceirizar encantamentos.


Quando digo que não lhe escreverei mais
Já estarei fazendo o que disse
Não fazer jamais.

Desejo é mais que palavras.

Poeta é homem comum,
Embora aspire ser singular.
O que o difere dos demais
São as vírgulas,
                      as reticências
                                           e os plurais.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

EU POR MIM MESMO



Sou poeta em tempo integral.
Antes do romper do dia,
Dalva, a estrela, minha Vênus iluminada,
Bate na minha janela
E me convida para o alvorecer.

Então olho pelas janelas
Dos meus sentidos
E vejo a linda Eos, deusa do amanhecer,
Abrindo as portas do céu
Para a carruagem de Hélio passar
E deixar meu dia iluminado.

Na rotina dos dias
Não me deixo embrutecer.
Por isso me dedico às sutilezas
Imperceptíveis aos homens de pedra.

Poeta matutino,
Sei o segredo das mamangavas
Que todas as manhãs colhem pólen
Deflorando inocentes flores de maracujá
Que nada sabem sobre delícias de se deixar beijar.

Também não me descuido de ouvir
O canto dos pássaros que fazem algazarra
Na romãzeira do meu quintal
Como se cada amanhecer fosse motivo para um festival.  

Quando Hélio esparrama ouro em meu jardim,
Observo a paciência das orquídeas
Enxugando suas pétalas molhadas de orvalho,
Lindas e felizes, como se despertassem de uma noite de amor.

Mas como não vivo de brisa
Cumpro, prazerosamente, meu matinal ritual do café
E sigo para a lida, certo que meu ofício diário não é metafórico.
Bem sei o que me custa
Mediar conflitos na tenda das contendas.

Para sobreviver,
Eu, como Pessoa, me divido em outros Eus
Em dura heteronimia que não alivia, mas liberta.

Na prateleira das incertas certezas
Guardo meu dossiê
Acessível a quem me lê.
São páginas e páginas
De concretas abstrações
Diálogos, monólogos e solilóquios.
Agônicas alegrias. Homéricas emoções.

Minha saga é ser Almáquio
Alma que ama
Ainda que mártir em Roma.

Também sou Bastos
Mas não me basto.
Insuficiente para ser sozinho
Sou ave que voa alto
Sem sair do ninho. 

domingo, 12 de fevereiro de 2017

POEMA DERRADEIRO


Não lhe escreverei mais
Cansei de enfadá-la com insanas tolices
Avalanches de poesia.

Farei do silêncio
Minha canção de despedida
Meu epitáfio
Meu poema derradeiro.

Talvez amanhã
Caso a veja distraída
Brincando sobre o Arco Íris
Farei da canção desesperada de Neruda
O meu réquiem:

Posso escrever os versos mais tristes esta noite. 
Escrever, por exemplo: " noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta. 
[...] 
Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por tê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo

Quando chegar o novo alvorecer
Se o brilho do Sol trouxer
A imagem de seu rosto a minha memória
Fecharei as cortinas das lembranças
E guardarei todos os versos antigos
Como se nunca tivessem sido escritos.

Se ao passear em meu jardim
A delicadeza das flores invocar seu nome
Cerrarei meus olhos para a beleza
Olhando a realidade dos espinhos.

Mas depois de tudo isso,
Se algum desavisado colibri
Ensaiar a dança do amor diante de mim
E a saudade ficar insuportável
Ai meu Zeus!
Poderei até me render
Talvez escreva outros versos
Como tantos outros que já escrevi 

Talvez me refugie novamente em meu oásis
Onde a poesia brota das fendas das rochas
Como fio de água cristalina
Que dessedenta
E rega
E faz remanescer a flor
Dos meus encantamentos.  

Posso escrever os versos mais tristes esta noite. 









https://pt.wikipedia.org/wiki/Pablo_Neruda
https://pt.wikipedia.org/wiki/Vinte_Poemas_de_Amor_e_uma_Can%C3%A7%C3%A3o_Desesperada

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

PEQUENO POEMA PROSAICO



Desvendei seus segredos
Quando abri as cortinas de seus olhos
E vi fótons de brilho sapeca
Iluminando o seu olhar.

Também vi quando seus lábios silenciosos
Desenhados em vermelho carmim
Respondiam “não”, querendo dizer “sim”

Mas aí já era tarde,
Ainda que debalde você
Desviasse o olhar.

Com delicadeza acariciei seus cabelos
E aproximei minha boca
Bem rente aos seus ouvidos,
 E então sussurrei baixinho,
Com voz grave e pausada, declarei minha petição:
Oh! Doce pomar de loucuras,
Deixe-me sugar o sabor de suas amoras maduras.

Ato contínuo
Senti que seu corpo
De leve estremeceu
Num pequeno abalo sísmico
Que atingiu o meu.

Seus lábios carmim se moveram
Com encanto de escultura viva
E verbalizaram baixinho
Mo-no-si-la-bi-ca-men-te: “Não”,
(Como se me contassem um segredo)
Mas seus pelos arrepiados
Diziam-me que você estava mentindo.

Abracei-a por trás,
Contemplando sua nuca
Lindamente desenhada
E novamente sussurrei:
Quero passear com minha boca
Em seu jardim secreto
E feito um colibri embevecido
Quero semear mil beijos
No canteiro de suas pétalas orvalhadas.
Quero provar o ardor e a doçura
Da fruta madura
Linda textura aveludada
Em seus gomos intumescidos.


Não houve resposta,
Não houve palavra.
Apenas uma lira ecoava ao longe.

Como em um sonho que se sonha acordado
Verso e vício se fundiram na minha imaginação
E silente viajei na lírica fantasia.

Meus pensamentos transformados em letras
São pássaros de arribação
Depois de alinhavados em versos
Voam livres

Levando meu coração. 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

VOYEURISMO EM MANHÃ DE VERÃO



Comecinho de fevereiro, manhã de verão,
Quando a luz do sol coada entre as folhas
Esparramava-se pelo chão,
Flagrei um beija-flor
Sugando, sem pudor, o néctar da Amélia.

A linda flor inocência fingiu
E entregou-se sem hesitação
Aos prazeres da polinização.

Alado que sou,
De imediato viajei na imaginação
Pensando nas possibilidades do amor.

Vi que a ave amava com maestria
Batendo asas e sugando a flor suspenso no ar.
Enfeitiçado ante a beleza, eu, poeta voyeur,
Espiava a dança de amor transbordante de poesia.

Na ânsia da expectativa
Imaginei-me sorvendo o sumo de amoras maduras
No pomar dos meus delírios.

O que é o sonho
Senão a expectação? Pensei.
A arte de bolinar flores
Não é exclusiva dos polinizadores.
Poetas também sabem voar e amam beijar. 


VOLTANDO A FALAR DE SONHO

Sonho é matéria invisível Igual carícia de vento Pode ser lembrança vivida Ou coisas que invento. Quando meu coração Acorda sorrindo E diz...