sábado, 10 de outubro de 2009

CICLO DO NADA



Não tenho vocação para Sísifo.

Pesa-me o ato
De amarrar os sapatos todos os dias
E caminhar rumo ao osso ofício,
Na mesmice de construir escombros.
Animal marcado para morrer,
O matadouro me espera. Sou
O boi resignado no curral
Da angústia.
Observo o passar dos anos:
Numerados e inférteis,
Me convocam à sepultura.
Como conter este ruído
De paredes desabando dentro de mim?
Na contramão dos dias
Viajo e,
De tanto aprender não ser,
Desaprendi saber quem sou.
De fora, quem me olha,
Vê fácil a construção do sorriso.
Porém nada tenho nos bolsos,
Senão o rascunho de uma vida
Com DeFeiToS especiais.


O que mantém na luta é o luto:
Absoluto pudor frente à morte.


Todas as manhãs,
Amarro meus sapatos
E caminho sem caminho
Meu destino tão vulgar.
No ônibus lotado, sinto o odor
Da sociedade (Quem não anda de ônibus
Não sabe o que é coletividade).
Passageiro, visto a paisagem
Com meus olhos: telhas sujas de tempo,
Muros visitados por grafiteiros,
Lixo remexido
Por mãos infames
De quem padece fome.
Meu osso-ofício roído é ruína.
Quero rasgar minha certidão de nascimento
E me esconder de novo
Na barriga de minha mãe.
Eu, aquém de mim mesmo,
Nunca me libertei do assombro
De não ter um passado no futuro.
Se há uma forma de interromper
O ciclo do nada,
Onde o fio da meada?
Nascido na véspera do futuro,
De que me adianta o brilho
Néon do engano
Se não consigo evitar a calvície
De meus sonhos?
Das cavernas,
A angústia me consome.
Da pedra lascada
À Internet,
Nada mudou.
Nos cromossomos
Somos os mesmos:
Pânico diluído nos gens.
Se a cabala fala,
O que me cala é o medo
Que meço a polegadas
No tic-tac de meus dias.
Intriga-me
O ciclo,
Pois sei que neste exato momento,
Em algum lugar,
Alguma coisa acontece:
Alguém está nascendo,
Alguém está morrendo,
Alguém está sendo assaltado,
Alguém está se masturbando,
Alguém está tendo um orgasmo,
Alguém está assistindo televisão,
Alguém está ouvindo música,
Alguém está passando fome,
Alguém está se suicidando,
Alguém está sendo abortado,
Alguém está sendo abandonado,
Alguém em algum lugar está...
E tudo enquanto você lê este poema,
Que não resolve em nada
A construção do mundo,
Mas não anula
A alegria da borboleta
Na ornamentação
Do amanhã que jamais verá.
E eu estou aqui,
Dentro deste planeta
Que, de alguma forma,
Está dentro de mim.
Ou é o contrário?



BASTOS, Almáquio. Ciclo do Nada, Ed. Do autor. Goiânia: 1996 p. 45



Este poema conquistou o 1º lugar no II Concurso Nacional Região de Iporá de Conto e Poesia, uma promoção da Prefeitura de Iporá, Faculdade de Ciências e Letras de Iporá, com apoio da UBE-Goiás e da Fundação Cultural Pedro Ludovico Teixeira.

Conquistou também o 2º lugar no 1º Concurso de Poesia Pero Wilson – Março de 1996.

4 comentários:

  1. Pai, eu não entendo direito poesias. Mas eu me orgulho muito de saber que o escreve e é conceituado. Eupostei um trecho de um poema seu no meu orkut. Aquele lá eu entendi :D Eu te amO, Pai.

    ResponderExcluir
  2. Caro Almaquio, bom dia!
    Obrigado pela visita ao Banzeiro e pelas boas palavras. Gostei muito da sua poesia. Parabéns!
    Abraço,
    Chico Perna

    ResponderExcluir
  3. Caro Almaquio, bom dia!
    Obrigado pela sua visita ao Banzeiro e pelas boas palavras. Já tentei deixar recados aqui, mas não tenho conseguido. Vejamos se agora consigo. Gostei muito da sua poesia. Parabéns!
    Abraço,
    Chico Perna

    ResponderExcluir

VOLTANDO A FALAR DE SONHO

Sonho é matéria invisível Igual carícia de vento Pode ser lembrança vivida Ou coisas que invento. Quando meu coração Acorda sorrindo E diz...