segunda-feira, 19 de abril de 2010

SONIANDO COM SÔNIA

Soniando, livro de crônicas da escritora Sonia Ferreira, um dos lançamentos da Coleção Prosa e Verso, é uma deliciosa provocação instigada a partir do título.
A ação contínua sugerida pelo gerúndio e a musicalidade emanada dessa sugestão, aspectos bem pontuados no prefacio por Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado, meu professor por curto período, mas salutar, na Faculdade de Letras da UFG, evocam com beleza e criatividade a idéia de viagem/sonho tanto em sentido literal quanto poético, como se vê já de início em A poesia e o trem de ferro, crônica que sinaliza aos que não viram nem viveram a realidade da “Maria Fumaça”, hoje apenas um memorial decrépito, mas que outrora, “estrada de ferro” afora, fez história no sertão e Goiás.
Bento, falando de Sônia no contexto sugerido pelo título do livro, diz: Sônia Ferreira não é mais Sônia, como um prolongamento de sua alegria e de sua contagiante energia e entusiasmo pela vida. Ela se torna ação que se alonga e que ainda é continuada. Deixa de ser nome e se torna uma forma nominal, um gerúndio importante, a nos lembrar que o mundo não é, mas estará sendo.
Destarte, Soniar nesse “trem” poético é usufruir dos privilégios de um passaporte que dá direito a visitar Brasília com cheiro e gosto de quintal, cidade que nem de longe lembra Arruda ou qualquer erva daninha dos dias atuais; é sentar-se sob a sombra da Moreira da Rua 24 e ouvir suas histórias e revelações de uma Goiânia que já dista no calendário e que hoje nos atropela; é assistir na Academia Goiana de Letras a posse do acadêmico Emílio Vieira das Neves, “estrela de Março, ano 2009”; é cumprimentar Bariani Hortêncio, cuja casa e vida, é um centro de cultura, aberto a todas as gerações de pesquisadores e produtores culturais de diversos cantos do Brasil e do mundo; é desvendar os “segredos do Bairro Popular de Goiânia” e, entre uma parada e outra, perceber que de alguma forma, todos nós, seja pelo que vimos ou vivemos, temos um centro cultural em nós ou em nossa casa.
A beleza nos textos de Sonia é mostra de que o artista, qualquer que seja sua área, precisa estar “antenado” com o que se acontece a sua volta ou ao alcance de seu conhecimento.
A sensibilidade artística é fundamental para que “as coisas” que passam despercebidas da maioria das pessoas sejam captadas pelo artista, o qual se incube de transformá-las em matéria-arte, seja ela de denúncia, encantamento ou simplesmente revelação. E isso ocorre em vários momentos do livro, dentre os quais cito a crônica Dentro dos Olhos Verdes de Ivana. Neste texto, Sônia é capaz de revelar a dor de se ter um ente querido internado na UTI de um Hospital e ao mesmo tempo, no mesmo recado, salientar a importância terapêutica da música, seja ela extraída de um piano instalado dentro dessa mesma casa de saúde ou do canto dos pássaros que vivem ali ao lado, no Bosque Areião, de onde, Ao nascer e ao por do sol, [...] em sinfonia tentam suavizar o silêncio das dores, escondidas numa grande caixa misteriosa, ao lado do parque. Cantam às janelas de um hospital, onde homens e mulheres de branco são cuidadores da vida e reverenciam a dignidade humana: Hospital Lúcio Rebelo. Em um de seus espaços interiores, há um piano, à espera de chuviscar notas musicais na sensibilidade dos pacientes, que possam se locomover até o pianista. (p. 79)
Assim é Sonia, sensibilidade e compromisso na tessitura de sua sinfonia com as palavras, trazendo à tona, lembranças para uns, informações para outros. Mais que isso não digo. Quem quiser saber mais, que vá Soniando.




Ferreira, Sônia. Soniando – Goiânia:Kelps, 2009.

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