Renato Sabbatini
Quem vai ganhar a competição
? O meio digital ou o meio impresso ? Ou será que eles não
competem entre si, mas sim se complementam ?
Perguntas como essas estão começando a deixar os editores
de livros muito preocupados. A penetração das formas digitais
de livros ainda é muito pequena. Basta visitar uma livraria e ver
quantos títulos de livros existem em papel e quantos em CD-ROM.
A maioria dos CDs são obras de referência e consulta, tais
como enciclopédias e bancos de dados; ou programas de informação
e aprendizado que se baseiam fortemente em tecnologias interativas. São
muito poucos os romances e livros especializados publicados em CD, por
um motivo bastante óbvio: é muito chato ler um livro no computador
(e sai muito caro imprimi-lo em papel antes de ler). Nove entre dez pessoas
não gosta e não quer ler coisas extensas na tela.
A coisa não é muito diferente com relação
à Internet (pior, pois ficar
on-line custa impulso telefônico
e taxas do provedor, ou seja, mesmo que o livro seja de graça, você
está pagando para lê-lo). A Internet tem sido um ótimo
exemplo de como os meios impressos e eletrônicos se complementam.
Atualmente existem milhares ou dezenas de milhares de livros com texto
completo disponíveis na Internet. Devido à problemas de
copyright,
a maioria dos textos é de autores clássicos, cujos direitos
de cópia já estão vencidos. Por exemplo, é
muito fácil achar na Internet o texto completo de qualquer um dos
romances de Sir Arthur Conan Doyle, a Bíblia, textos romanos e gregos
clássicos, etc. Servidores como o do
Projeto
Gutenberg, que tem centenas de colaboradores digitando livros sem copyright
e colocando-os na Internet, são um ótimo recurso. Mas tente
achar o texto do último livro do Sidney Sheldon ou mesmo de autores
não tão recentes, como Hemingway. Não vai achar, pois
eles ainda rendem dinheiro.
O que está acontecendo de muito curioso é como a Internet
está servindo para vender cada vez mais livros em papel. As livrarias
on-line já são um enorme sucesso. A mais conhecida, a
Amazon,
tem 2,5 milhões de títulos, e vende por preços bem
abaixo do praticado nas livrarias (há descontos de até 88
%). Diz-se que já está faturando algo em torno dos 100 milhões
de dólares por ano. A sua equivalente nacional, que também
vem obtendo boas vendas, é a
BookNet.
O mercado on-line é tão apetitoso, que a maior livraria (física)
do planeta, a americana
Barnes
& Nobles, que tem mais de 700 lojas, e vende há muito tempo
pelo correio, também abriu o seu gigantesco site na WWW, embora
com menos títulos que a Amazon (1 milhão). Ela montou uma
estratégia de marketing multimilionária, que tem como objetivo
se tornar a primeira do mundo na Internet. Recentemente, por exemplo, fechou
um contrato com a maior provedora de acesso à Internet, a
America
On Line (AOL), de 40 milhões de dólares, para se tornar
a livraria on-line exclusiva da AOL no seu concorrido shopping virtual.
A Amazon e as outras perdem de imediato uma boa parte de um mercado formado
por 10 milhões de consumidores potenciais, o que não é
pouca coisa.
O último capítulo da luta é muito criativo. Nos
mecanismos de busca, tipo
Altavista,
e catálogos, tipo
Yahoo! existe
um "link" na página de resultados para você procurar
livros sobre o mesmo assunto na livraria da Amazon. E várias livrarias,
como a BookNet, estão oferecendo comissões de vendas para
quem colocar "links" para suas páginas e que levem à
venda de livros recomendados.
Atualmente, os livros vendidos pelas livrarias virtuais ainda são
entregues pelo correio. Será que no futuro eles poderão ser
descarregados pela Internet ? Não existe nada na tecnologia que
impeça isso (aliás, já está ocorrendo em muitos
lugares. Visite, para ver um exemplo fascinante, o site da
National
Academy Press. O modelo econômico é que não se
sabe se dá certo.
E as bibliotecas ?
Portanto, o futuro do livro como meio de transmissão do conhecimento
parece estar indubitavelmente ligado ao fator revolucionário representado
pela Internet. A rede mundial de computadores colocou um elemento novo
na equação que rege a indústria editorial, algo que
não existia antes: a possibilidade de se ter um livro "virtual",
ou seja, um produto abstrato, feito de bits e elétrons, ao invés
de papel, tinta e cola. Esse livro pode ser distribuído instantaneamente
para qualquer canto do planeta, sem necessidade de se fazer cópias,
que é a essência da revolução anterior, que
é a da imprensa de tipos móveis.
Embora muitos intelectuais conservadores estejam resistindo à
idéia de um mundo de idéias divorciado do livro impresso
tradicional, acho que isso não tem mais volta. Por muito tempo ainda,
os dois mundos, o eletrônico e o impresso, vão coexistir,
mas não tenho dúvidas de quem será o vencedor. O fator
fundamental não será tanto as vantagens relativas das diferentes
tecnologias de fazer livros, mas sim a reação dos consumidores
com relação a duas coisas: como se comprarão os livros
no futuro, e como eles serão armazenados e disponibilizados para
os que não querem comprar.
Entra no jogo, então, o conceito de biblioteca, uma instituição
tão antiga quanto o próprio livro. Como serão as bibliotecas
do futuro, se todos os livros forem eletrônicos ? Elas terão
razão de continuar a existir ? Qual será a função
do bibliotecário, o classificador e guardião tradicional
dos livros ?
Naturalmente, muitos países estão começando a estudar
esses aspectos e desenvolver novos papéis e estratégias para
a biblioteca do futuro. Há muito tempo as bibliotecas vem se automatizando,
usando computadores para cadastrar livros ("tombar", no jargão
da biblioteconomia), controlar sua entrada, saída e devolução
pelos leitores, e disponibilizar sistemas de busca por título, autor,
palavras-chave, etc. Nos países mais avançados, é
praticamente impossível achar bibliotecas em que a sala de leituras
não esteja repleta de computadores e terminais para utilização
dos leitores. Os gaveteiros com fichas já são coisas extintas
em muitas bibliotecas, pois descobriu-se um fato muito relevante: se 15
a 20 % do acervo da biblioteca tem acesso informatizado, os leitores deixam
de usar o fichário tradicional para procurar livros ! Em outras
palavras, o retorno que eles obtêm da pesquisa informatizada, mesmo
que acessando uma parte pequena do acervo, já é o suficiente
para mudar o seu comportamento.
O passo seguinte das bibliotecas rumo à "virtualidade"
foi o de disponibilizar os seus catálogos eletrônicos através
da Internet. Na UNICAMP, por exemplo, o exemplar sistema de bibliotecas
coordenado pela Profa. Leila Mercadante, há bastante tempo que qualquer
usuário da Internet, interno ou externo, pode consultar o acervo
de periódicos, livros, teses e monografias. Você mesmo pode
tentar, caro leitor, acessando o endereço
http://www.unicamp.br/bc/.
O mesmo acontece hoje com milhares de bibliotecas em todo mundo, chegando
à sofisticação de se informar se o livro que você
procura está na prateleira, ou se foi retirado, e quando será
devolvido ! As bibliotecas também têm se unido, formando "redes
cooperativas", como é o caso das universidades paulistas, que
produziram um catálogo coletivo de seus acervos, denominado UNIBIBLI,
e que está disponível também em CD-ROM. Em nível
nacional, existem vários outros projetos, como a rede de bibliotecas
Antares, coordenada pelo
Instituto Brasileiro
de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT),
um órgão do CNPq, e o
Grupo
Temático sobre Bibliotecas Virtuais, do Comitê Gestor
da Internet Brasil.
O passo seguinte já foi dado por muitas bibliotecas, também:
é a construção de prateleiras "virtuais",
onde se disponibiliza para os leitores (fisicamente presentes na biblioteca,
ou em qualquer lugar, através da Internet) as revistas e livros
que já existem em forma eletrônica. A maioria é gratuita,
mas muitas têm assinaturas pagas, que a biblioteca faz, em nome de
uma coletividade mais restrita. Para terminar a "virtualização"
total da biblioteca, só falta um passo mais: converter todos os
livros e revistas existentes em papel, para uma forma digitalizada, que
permita sua distribuição através da rede.
Essa transição ainda é utópica para a maioria
das bibliotecas, devido ao enorme custo e tempo necessário para
o processo de conversão. A
Biblioteca
do Senado dos EUA tem experimentado com isso há várias
décadas, mas uma fração muito pequena do seu acervo
está disponível nessa forma. Mas parece ser o caminho do
futuro.
Livros Digitais
Os computadores que temos hoje serão considerados máquinas
ridiculamente primitivas, perto do que estará disponível
na primeira década do próximo século. As pessoas que
resistem à idéia de que a informação no futuro
será disseminada de forma quase que totalmente eletrônica,
substituindo os livros e revistas impressas, não têm capacidade
de visualizar como a revolução da microinformática
tornará isso possível. Neste artigo darei uma idéia
para o leitores a respeito do que nos espera.
Uma idéia interessante é de que os computadores serão
tão compactos e baratos, que terão o formato e a portabilidade
de um livro. Esses "livros eletrônicos" serão um
lugar-comum dentro de poucos anos, constituindo um novo e poderoso fenômeno
tecnológico no mundo das publicações. O pai da idéia
da "biblioteca virtual portátil" é um pesquisador
americano chamado Alan Kay, que no final da década dos 60s era um
dos integrantes do Palo Alto Research Center (PARC) da Xerox Corporation,
perto de Stanford, na Califórnia. As equipes do PARC foram as responsáveis
praticamente por todas as idéias novas sobre computação
interativa, tais como o mouse, os menus, as interfaces gráficas
do tipo Windows ou Macintosh, etc.
Pois bem, Alan Kay escreveu um artigo fantástico, em 1968, no
qual ele previu a existência, em cerca de 25 anos, de um computador
tão compacto e portátil, que seria possível armazenar
milhares de livros didáticos e científicos, ultracompactados
em sua memória. A esse computador, que teria o aspecto e tamanho
aproximados de um livro, e que não necessitaria o uso de teclado,
Kay batizou de Dynabook (dos termos, em inglês,
dynamic book,
ou livro dinâmico). Kay concluiu que ele afetaria enormemente o acesso
à informação, bem como a existência e o uso
das bibliotecas e dos livros.
Exatamente 25 anos depois deste artigo, a Apple lançou a primeira
geração de microcomputadores ultraportáteis, sem teclado,
a que denominou de PDAs (
personal digital assistants), e que são,
em conceito, a coisa mais próxima possível do dynabook. Uma
empresa americana chamada Franklin produz também livros eletrônicos
compactos, do tamanho de uma agenda eletrônica pequena, que já
permitem acesso simultâneo a até dois livros eletrônicos
armazenados em módulos removíveis de 10 Mbytes de capacidade
cada. Centenas de livros já foram lançados pela Franklin
nesse formato. Na área médica, por exemplo, é possível
ter-se um livro de Medicina Interna (Harrison) e um manual de referência
com cerca de 10 mil medicamentos (o PDR), em um total de mais de 5 mil
páginas on-line, por cerca de 350 dólares, com o computador
incluído !
Deixando nossa imaginação à solta, é fácil
prever que o
dynabook poderá ser encadernado de acordo com
o gosto do freguês, em couro marroquino, por exemplo, com filigranas
de ouro e ex-libris personalizado e até com cheiro sintético
de papel, tinta fresquinha e naftalina (se quiser...). A visualização
das páginas abertas do livro seriam mimetizadas através de
duas telas de cristal líquido super-alvura, com caracteres de alta
resolução, de tal forma que o usuário teria uma impressão
absolutamente perfeita de estar lendo páginas deum livro impresso.
A única diferença seria que para "virar" as páginas
ele precisaria pressionar a ponta do dedo num dos cantos da página.
Até o barulhinho de uma página virando o computador imitaria
!
Para que tudo isso ? Simplesmente para preservar a experiência
sensorial e estética do livro impresso, tornando o livro eletrônico
mais aceitável, por se encaixar em um modelo conhecido e apreciado
há séculos. A grande vantagem é que uma pessoa que
tem uma biblioteca grande (é o meu caso, com mais de 2000 livros
impressos) poderia substituí-la por um único "livro
universal", que poderá ser carregado na maleta ou debaixo do
braço para qualquer lugar (inclusive para o banheiro, a cama, ou
a rede na varanda da casa de praia, sem necessidade de tomadas elétricas
por perto). Conectado através de ondas de rádio à
Internet, o dynabook poderá dar ainda acesso a milhões de
outros livros e revistas, de forma praticamente instantânea, carregando
uma verdadeira Biblioteca do Congresso dos EUA.
Quem viver, verá !
Publicado em: Jornal
Correio Popular, Campinas, 6/1/98,
20/1/98 e 9/2/98.
Autor: Email: sabbatin@nib.unicamp.br
WWW: http://home.nib.unicamp.br/~sabbatin
Jornal: http://www.cpopular.com.br
Copyright © 1998 Correio Popular, Campinas, Brazil