segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Para onde caminha a Educação Pública Brasileira?



Ilka Alves Araújo Bastos*

A educação pública brasileira, principalmente a alfabetização e o ensino fundamental, caminha entre o caos e o faz de conta. Se por um lado essa afirmação pode parecer tão somente retórica de discurso panfletário, por outro, não se pode negar que os resultados de aprendizagem verificados no mundo real, isto é, no aluno egresso das escolas públicas, demonstram que a situação é, no mínimo, preocupante. Considerando-se que a grande maioria dos alunos concluintes do nono ano e/ou do terceiro ano do ensino médio não consegue ler e compreender textos simples ou elaborar uma argumentação elementar, usando a modalidade escrita, tem-se que reconsiderar os índices de analfabetismo divulgados pela mídia e, principalmente, perguntar: para onde caminha a educação pública brasileira?
É importante começar esta reflexão analisando os últimos acontecimentos ocorridos no cenário da educação pública, no âmbito estadual, em Goiás, e municipal, em Goiânia. Recentemente, os professores da rede estadual estiveram em greve por 58 dias e nesses quase dois meses de paralisação a classe foi alvo das mais diversas formas de falta de respeito, culminando com o corte de salário do mês de setembro e ameaças grotescas de maiores retaliações. Conquista mesmo, nenhuma. Continua-se sem reajuste salarial há três anos, o que motivou uma reivindicação de 23,5%, além de reforma das escolas, pois a maioria se encontra em situação precária, construção de laboratórios, convocação de professores aprovados no concurso de 2005 e, finalmente, assinatura das promoções (verticais) para 1,1 mil professores.
No cenário municipal o silencio foi sepulcral. A liderança classista não se atreveu a desafiar a prefeitura de Goiânia deixando à revelia e nas mãos dos políticos a de cisão de qual valor deverá ser repassado ao salário dos trabalhadores da educação. O Sindicato reivindicou 15,57%, a câmara de vereadores acenou com 7,95% e o prefeito “bateu o pé” nos 4,55%, numa briga que não termina nunca. O fato é que o tempo está passando e até agora nada foi concedido, contudo, os profissionais da educação, continuam desempenhando seu papel sob rédeas curtas e com poucos questionamentos.
Se os resultados da educação deixam, e muito, a desejar e o nível de satisfação dos profissionais da área dá sinais de que o fundo do poço já é realidade, pode-se pensar que os professores da rede pública se resignaram a oferecerem de acordo com o tratamento que lhes é dispensado ou que o vírus da ingenuidade filosófica, em outras palavras: “burrice”, contaminou aqueles que, a priori, deveriam ser formadores de opinião, cidadãos críticos, avessos ao analfabetismo funcional. Aos colegas que se eximem de suas responsabilidades e se esquivam dos movimentos classistas sob a alegação de que os sindicatos estão mancomunados com os políticos, Bertold Brecht dá o seguinte recado:

O analfabeto político

O pior analfabeto
É o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala,
Nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida,
O preço do feijão, do peixe, da farinha,
Do aluguel, do sapato e do remédio
Dependem de decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que se orgulha
E estufa o peito dizendo
Que odeia política.

Não sabe o imbecil que,
De sua ignorância política
Nasce a prostituta, o menor abandonado,
E o pior de todos os bandidos
Que é o político vigarista,
Pilantra, corrupto e lacaio
Das empresas nacionais e multinacionais.

Por vezes, alguns “professores” se sentem impotentes no ambiente escolar, local em que muitas vezes uma minoria de profissionais tenta, em uma luta inglória, construir, moldar, conscientizar, formar valores e atitudes em crianças que são matriculadas todos os anos nas escolas públicas do país.
Parece uma luta inútil, considerando que não encontram respaldo em seus pares, visto que dividem o seu espaço de trabalho com colegas que agem como se estivessem no “limbo” e, portanto, em nada colaboram para a formação das crianças e adolescentes deste país.
Constatar esse ponto de vista gera a sensação de que o exercício da docência, às vezes, redunda em um imenso vazio quando se leva em consideração que o exemplo de vida é o maior legado que se pode deixar a alguém em processo de formação. Desta forma, “tios” e “tias” que assumem papéis de professores são exemplos reprováveis, pois sequer sabem o porquê estão na escola, não se questionam quanto ao conteúdo pedagógico que ministram e apenas repetem e repassam conhecimentos e informações dos livros didáticos, às vezes escritos sob uma ótica que pouco ou nada vai acrescentar aos discentes. Esses “profissionais” estão plenos em si mesmos, conformados em suas vidas medíocres, prontos a executarem qualquer determinação, por mais absurda que seja. Não há questionamento. Tais indivíduos se alardeiam em planos de ensino e projetos pedagógicos, referem a expressões que desconhecem na prática, tais como “formar cidadãos críticos”, “compreender e assumir democraticamente as decisões populares”, etc., sem perceberem a discrepância entre o discurso e a prática. Mal sabem esses “mestres” que “A má educação nas escolas populares é uma política sistemática das elites, que querem que os pobres permaneçam pobres e não se desenvolvam”. (José Comblin, Educador popular).
Nesse contexto, uma pequena parcela de profissionais agoniza tentando reverter o caos instaurado. Compartilham seus ideais e tentam envolver os educandos nas discussões relevantes para uma efetiva educação gratuita e de qualidade. Demonstram com suas vidas o que é dignidade no trabalho, respeito ao próximo, honestidade e ensinam em sua práxis o valor da luta por mais qualidade e recursos na educação pública. Sabem que se houver investimento em recursos humanos e melhores condições de trabalho, renascerá a esperança de livrar gerações do malogro. Dão verdadeira aula de cidadania participando das lutas da categoria, reivindicando tempos melhores para a educação, enquanto “tios” e “tias” se gabam de enrolar a aula fingindo que o conteúdo é dado, embaçando a luta, dos colegas, por respeito ao seu trabalho. Tais profissionais entregam o educando à sua própria sorte, passam por “bonzinhos”, “comprometidos”, mas não se responsabilizam pela educação dos alunos. Tem como meta apenas matar o tempo, manter o aluno em sala, quieto, estático, em silêncio, cada dia menos crítico, menos consciente de sua situação social, sem nenhum poder de persuasão, questionamento ou aspiração social, felizes em sua ignorância filosófica, tal e qual os mestres.
Como explicita Claudia Korol, educadora popular argentina, “é na vida cotidiana que se produzem os gestos políticos e que se organizam os valores sociais. Tais experiências se manifestam através de ações de subordinação ou de liberdade... Ou pode ser de alienação identificando-se o indivíduo com os opressores... Cada identidade assumida no processo de nascer como pessoa é um ato político.
Esquecem estes pseudo-s profissionais que estão formando o futuro da nação e que são esses alunos que amanhã escolherão os nossos representantes legais e, talvez, sem nenhuma crítica, eles venderão seus votos ou poderão trocá-los por uma cesta básica e o pior, ainda se gabarão: “como sou esperto!”
São essas pessoas formadas por pessoas piores ainda que serão alvo da fraude política de nosso país, enganados por imagens de realizações que nunca e concretizam. Com perdão da palavra, essa é a lógica da perpetuação da burrice.
Penso que condenar uma geração dessa forma é atrasar em séculos o desenvolvimento de um país.
Estas gerações precisam de exemplo. Ou se ensina as crianças, os adolescentes e também os jovens a lerem e interpretarem a linguagem político-social a que estão inseridos ou estarão, todos, fadados ao fracasso. Convém lembrar que: “Cidadãos são sempre sujeitos de qualquer poder, não se resigna, mas luta, participa, se associa a batalha; já o súdito é resignado, frustrado, submisso, obediente”. (Josep Maria Terricabras – Catedrático em filosofia – Espanha)
O que diria Paulo Freire, Anísio Teixeira e outros que sonharam com o futuro desta nação, se soubessem os rumos que a educação tomou em pleno século XXI? Como disse Dionísio Gauto, “As nossas necessidades nos acordam... Não se pode conceber a democracia sem um povo livre”.
Felizmente há os descontentes, os lutadores, os sonhadores, os que querem fazer diferença, aqueles que acreditam na possibilidade de mudar. Aqueles que querem resgatar os educandos das trevas da ignorância para a luz do conhecimento e da emancipação.
Que nas escolas brasileiras seja tão importante ensinar literatura, matemática, biologia, português, geografia, história, arte, educação física quanto ensinar decência, honestidade, cidadania, respeito, dignidade, política, liberdade...
O Brasil precisa mais de profissionais conscientes de sua cidadania do que de súditos que digam “amém” a tudo que é proposto, afinal, é um país que declara viver em uma república democrática e não em uma monarquia. Não há reis e príncipes entre nós, há representantes que assumem o poder por meio de eleições diretas para legislar em nome do povo e para o povo.
Ou nós, professores, assumimos o nosso papel de formadores de opinião/valores ou condenaremos estas gerações a perpetuarem o “Status quo” reinante, no qual muitos não passam de massa de manobra.



* Professora de Educação Física na rede estadual de Educação e rede municipal de Goiânia. Licenciada em Educação Física pela UEG- ESEFFEGO e pós graduada em Educação Física Escolar também pela UEG e pós graduada em Esporte Escolar pela UNB.



2 comentários:

  1. A VIOLÊNCIA COMO FORMA DE EDUCAR O ESTADO


    Ola Ilka...
    Como político ou filósofo gostaria de dizer a você como funciona a cabeça de um político em relação à cabeça de um professor:
    O político precisa de voto e o professor de salário e condições práticas para o exercício de sua função - infra-estrutura.
    Pois bem, o nosso caos “digo nosso, porque também dou aulas” professores e alunos existe unicamente devido a um fato curioso, A NÃO PERCEPÇÃO DE QUE O NOSSO PROBLEMA, A NOSSA CRISE NÃO ATINGE OS FORMADORES DE OPINIÃO, OU SEJA, A CLASSE MÉDIA ALTA. Porque se esse imbróglio educacional atingisse em cheio a classe média alta, a muito isso já estaria resolvido.
    Pois bem, os sindicatos, ferramenta da classe, a muito já está instrumentalizada pelo poder, foi cooptada. É inepta, arrogante, pelega e subalterna.
    O resultado de tudo isso é a violência que bate muito forte na porta da sociedade como um todo, inclusive nas escolas – a escola é o transito normal para a migração das classes sociais - e o aluno, num ato de catarse, traz sua descrença no sistema, na forma de violência como indicativo de que algo está errado.
    Em um país onde a modorra política em relação à educação já atingiu os níveis da indecência, só resta aos envolvidos uma ação drástica, os alunos já deram o seu ponta-pé inicial, e nós...?

    Júnior Rego

    Júnior rego é artista plástico e escritor
    jrmaquete@yahoo.com.br

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  2. Mãe e Pai, vocês são o máximo. Admiro demais. Beijo

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