A vida me ensinou muita coisa e uma delas foi aprender a ler o que não está escrito. Os anos me legaram mais que cabelos brancos. Com o tempo aprendi a importância de tirar lições das mais diversas situações, mesmos que sejam situações, aparentemente, inaproveitáveis e todo o lucro auferido seja apenas a certeza de que aquilo não merece ser repetido.
Um incidente qualquer, por mais banal que possa parecer à maioria das pessoas, pode ser excelente combustível para um cronista, assim como uma nesga de luz, vazada por entre as frestas de uma velha janela de madeira pode iluminar a mente de um poeta. Do mesmo modo, a curva de um rio ou o olhar triste de uma criança pode encher de cores uma tela branca sujeita a emoção de um pintor. Embora muitos não percebam, a vida é assim. Tudo pode ser matéria nas mãos do artista.
Entretanto, poetizar nem sempre é indolor, assim como nem sempre as contemplações são matérias primas de arte. Aprende-se muito com a dor, com o erro e também com o simples ato de observar.
Minha avó era analfabeta, não sabia escrever, mas sabia ler as coisas que não estavam escritas em papel. Em contrapartida, em minha vida profissional, já trabalhei com chefes pós-graduados, mas incapazes de perceberem qualquer coisa além das encardidas letras dos manuais. Somente o tempo me trouxe a serenidade de compreender que a vida é uma escola que precede a escola.
Hoje, por exemplo, eu tive uma aula importante. Minha esposa me pediu que a levasse ao centro da cidade a fim de comprar algumas coisinhas. Tentei persuadi-la a ir a um dos Shoppings da nossa capital, como ela mesma sempre prefere, mas desta vez ela foi enfática ao dizer que queria visitar algumas das lojinhas que ficam ali no centro de Goiânia, mais precisamente nas proximidades da Avenida Goiás com a Avenida Paranaíba, próximo ao mercado aberto. Como discutir com alguém que tem, em si, um parque de diversões à nossa disposição, mas também tem TPM? Lá fomos nós. A propósito, o mercado aberto deveria mudar de nome. Eu o batizaria, sem medo de errar, de “inferno a céu aberto”. Se Dante Alighieri o tivesse conhecido, certamente o teria mencionado na sua obra “A Divina Comédia”.
No princípio do tour, eu até que me esforcei para acompanhá-la. Comecei a olhar as alguns objetos, mas, antes de finalizar a primeira dezena de lojinhas, pedi arrego. Preferi ficar do lado de fora, fazendo papel de segurança. Melhor assim, pensei, porque as mulheres não são práticas como nós. Quando elas dizem querer um sapato, olham bolsas, lenços, roupas, bijuterias, olham tudo como se fossem comprar o conjunto. Na verdade estão apenas conjecturando as duas mil setecentos e trinta e nove possibilidades de combinações de um acessório com o outro, inclusive com aquele esquecido no fundo da gaveta, que todas possuem em casa e que dificilmente usam. Os maridos atentos sabem do que eu estou falando.
Por isso, seria extremamente proveitoso se todo centro comercial criasse um cantinho para os maridos, como os que já existem em alguns eventos direcionados ao público feminino. Bastariam alguns sofás, uma TV de tela plana com, no mínimo, vinte e nove polegadas, ligada a um canal fechado de esportes ou notícias e cafezinho. Coisas simples, pois não somos exigentes. A grande vantagem é que assim as mulheres teriam mais de tempo e ainda se livrariam da incomoda sombra de companheiros mal humorados.
Como ali na Avenida Goiás, próximo ao inferno a céu aberto, isso é utopia, comecei a observar as pessoas que passavam. E não eram poucas. Uma das primeiras lições do dia, depois do exercício de paciência, foi que a maioria das pessoas não existe no mundo real. São personagens tipológicas oriundas do cinema fantástico ou dos comerciais de TV. Elas se misturam com a população, fazem amizades, casam-se, tem filhos e, sem serem notadas, passam a fazer parte das comunidades. Nos longos minutos que ali fiquei, em catarse, vi muitos que, provavelmente, participaram daquele clip famoso, thriller, do inigualável alienígena Michael Jackson.
Entretanto, as lições mais importantes do dia brotaram da minha inquietação ao assistir algumas cenas comuns, porém inaceitáveis, de prática de maus hábitos. Particularmente, penso que muitos maus hábitos, que afetam a terceiros, deveriam ser considerados crimes ou, no mínimo, uma contravenção penal. A pessoa flagrada na prática criminosa pagaria multa e/ou cumpriria pena alternativa.
Naquela oportunidade, assisti um grande desfile de pessoas jogando lixo no chão, em via pública, com a mesma naturalidade com que respiravam. Foram copos descartáveis, guardanapos usados para segurar aquela coxinha pingando gordura adquirida no quiosque da esquina e devorada durante a caminhada, folhetos de propagandas, embalagem de salgadinhos industrializados, tipo Skiny, ótimos para serem consumidos por aqueles que não amamos. Evidentemente presenciei exceções, mas os deprimentes flagrantes são foram poucos.
Um grande número de pessoas desconhece a função de uma lixeira, ou simplesmente não tem paciência para tentar encontrar alguma, pois o poder público também não ajuda muito quando não faz sua parte, que é instalar lixeiras suficientes nos locais públicos.
Dentre os arremessadores de lixo, destaco os arremessadores de tocos de cigarros. Não pelo tamanho do objeto, mas pelo ato ritualístico. Os tabagistas assumidos, quando estão finalizando uma fumada, dão um último trago como se estivessem tendo um orgasmo. Logo em seguida, inclinam a cabeça em um ângulo de, aproximadamente, quarenta e cinco graus, entortam o canto da boca para o lado e lançam no ar um canudo de fumaça mal cheirosa. Finalizam o ritual com um gesto quase olímpico: prendem o toco aceso entre o polegar estendido e o dedo médio curvado na direção do primeiro. O segundo dedo se solta bruscamente, afastando-se do polegar e impulsionando o objeto, até então, preso que é lançado pela catapulta digital em algum lugar qualquer, a poucos metros de distância.
Finalmente, a lição mais contundente e repugnante. Cenas explícitas de cuspidas ou escarradas em locais públicos. O praticante deste mau hábito, ao ser flagrado, deveria receber, no ato, um papel toalha e então lhe seria solicitado a limpar os dejetos produzidos no íntimo de seu ser e lançados na calçada. O autor reincidente, após o constrangimento da limpeza pública, seria encaminhado à DDC, Delegacia de Defesa da Cidadania, para a aplicação das penalidades cabíveis.
Como afirmei no início deste texto, a vida ensina muita coisa. É sabido que nas escolas tradicionais, as lições são disponibilizadas a todos, mas o aprendizado é algo individual e nem sempre as informações geram conhecimento. Uma mesma sala de aula pode abrigar, simultaneamente, futuros profissionais respeitados e futuros bandidos procurados.
Em face desse dilema, pergunto-me: a escola formal tem conseguido formar cidadãos por meio da transmissão de saberes históricos-culturais institucionalizados? Eu mesmo respondo. Sim e não. E este paradoxo me inquieta.
Os pais têm negligenciado a educação de seus filhos, terceirizando-a a avós, babás, mas, sobretudo aos professores. Tenho conhecimento de que a conquista da cidadania, adquirida por meio de lições de ética, moral e bons modos, ministradas em salas de aulas, é um ideal belíssimo, mas as lições extraclasse, aplicadas no cotidiano, entre os membros da família, podem ser muito mais eficientes. Aquilo que minha avó referia-se como sendo “educação de berço”.
Por isso, creio que a terceirização da educação dos filhos por parte das famílias, principalmente por parte dos pais, aliada à ineficiência do Estado, sobretudo no ensino público, tem criado tantos seres irreconhecíveis que não seria exagero compará-la a um câncer no seio da sociedade moderna.
*Almáquio Bastos é Escrivão Policial Civil e Escritor.
Nascido na véspera do futuro, De que me adianta o brilho Néon do engano Se não consigo evitar a calvície De meus sonhos? Das cavernas, A angústia me consome. Da pedra lascada À Internet, Nada mudou. Nos cromossomos Somos os mesmos: Pânico diluído nos gens. Se a cabala fala, O que me cala é o medo Que meço a polegadas No tic-tac de meus dias.
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Bom!!!!
ResponderExcluirDepois de ler atentamente o teu texto. Pensei! vc tem razão. Mas penso ainda que se vc fosse convidado novamente pela tua esposa se comportaria da mesma forma, ou seja ficaria ali vendo o que ja tiva visto. Ai te pergunto; o que podemos fazer? sozinho quase nada a não ser uma grande movimentação ai sim, quem sabe.
Mas diante disto sugiro; pq não muda a forma de ver as coisas, tipo;
Quando convidado for novamente não fiquei do lado de fora entre no mercaddo com tua esposa e começe a observar atentamente os varios objetos visto por ela......te garanto que vai gostar mais.
E se depois quiser comentar com ela o que viu no dia anterior quando de fora do mercado estava tenho certeza que ela terá argumentos para uma boa conversa contigo.....
Somos praticas sim e também objetivas......
No primeiro dia do TUOR ela viu o que queria e mais tudo que poderia combinar......e antes ja tinha visto o que vc passou horas vendo, sozinho.
Mais uma vez não posso deixar de dizer que vc e muito bom com as palavras.
Um abraço.......aguardando um novo texto
Bjs
LYa
Obrigado Lya, pelo comentário e pelas visitas em meu Blog. Seus elogios me deixam envaidecido e, com certeza, com vontade de escrever mais.
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