domingo, 6 de dezembro de 2009

CARTA

Siento viajar tus ojos y
Es distante El otono.
Pablo Neruda.

Para sempre lembrar
Que não mais existo em ti,
Destruirei todos os vínculos de ternura
Fincados na superfície da lembrança.
Esquecerei o riso abraçado ao sonho,
O ritmo da busca do grito
Ancorado no alpendre da loucura.
Esquecerei a candura de um simples
Gesto lançado ao acaso.
Esquecerei teu nome fora
De minha boca,
Quando muito, um murmúrio, um lamento...
Para sempre lembrar
Que não sobrevivi,
Esquecerei outonos passados
Quando negras amoras sorriam
Nos galhos pejados.

Mas como não imaginar tua boca violácea,
Doce, dulcíssima, na minha (num outono passado)?

Esquecerei que tantas vezes
Celebrei teu nome impunemente,
Vadiando o pensamento malino
Nas madrugadas esferográficas
Em que estrelas invadiam a janela das têmporas.



Ah! Meu canteiro de orquídeas!
Quem te batizou sem alma?


Destruirei todos os vínculos.
Ruminarei todas as mágoas.
Semearei outros sonhos na vitrine de meus olhos.
Esquecerei que minhas mãos navegaram tuas carnes
Desvendando todos os segredos,
Espalhando mel na pele quente,
Derramando vinho nas curvas,
Semeando cerejas e beijos
(mágico ritual de desnudar encantos).


Difícil compreender
A dor de perder
O que não se teve.
Difícil entender saudade
Do que nunca existiu.
Difícil tolerar minha imaginação
Capaz de criar detalhes
De um absurdo.
Hoje, quando observo tua postura de mármore,
Não admito como pude acreditar em mim.



BASTOS, Almáquio. Ciclo do Nada, 1996, p 63)

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