segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Um olhar estrangeiro sobre Clara Dawn e suas crônicas publicadas no DM-Revista


Segundo a professora e crítica literária *Fátima Santana
 
                A recepção da literatura brasileira no exterior tem sido estudada no mundo acadêmico, mas ainda é um assunto pouco divulgado. Há poucas publicações que analisam a maneira como os autores brasileiros são lidos fora de seu local de produção.
                Eu acabo de ser jubilada pela FLUC – Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde trabalhei por mais de três décadas. O jubileu não é espantoso quanto  pensa os parceiros do oficio de educar. Não quando se pode voltar à terra natal e contemplá-la na magnitude de ações culturais, especialmente da literatura. Literatura, meu material de vivência e estudo de uma vida inteira. Literatura: jamais me canso de ti!
                E é por razão de nunca me cansar que estou sempre recebendo presentes: livros,  evidentemente. Dezenas chegam pelos correios, outros tantos me são regalados por amigos e parentes. Não preciso comprar-los, os livros me chegam a mim. Foi num desses tantos, que recebi, o ano passado, “Alétheia” de Clara Dawn. Li, gostei, esqueci. E esse ano dentre muitos outros que me foram regalados, recebo “Sofia búlgara e o tabuleiro da morte” também da, esquecida (por mim), Clara Dawn. Li, gostei, me incomodou, pois eu já acompanhava as crônicas semanais de Clara no DM - Online e  por gostar muito,  decidi, em poucas palavras, revelar a minha singela observação da obra  “concreta e inacabada” de  Clara Dawn e tentarei, por vez, dissertar na sintaxe do português brasileiro.
                Clara Dawn desenvolveu um estilo literário ímpar. Com livros marcados por singularidades e inovações linguísticas, a escritora se encaixa a lista dos que incorporaram traços inéditos à literatura brasileira produzida em Goiás.
                A ficção claradawniana se concentra nas regiões mais profundas do inconsciente, ficando em segundo plano o meio externo, pois quase tudo se resume à mente das próprias personagens. Portanto, Clara Dawn é o nome de uma tendência intimista a literatura escrita em Goiás. O ser, o estar no mundo, o intimismo formam o eixo principal de questionamentos tecidos em seus textos introspectivos de prosa-poética. Não centra sua obra no social, no romance engajado, mas sim no indivíduo e suas mais íntimas aflições, reproduzindo pensamentos das personagens.
                Artifício largamente utilizado por James Joyce, Proust e, sobretudo, Virgínia Woolf. O fluxo da consciência marca indelevelmente a literatura de Clara Dawn. Tal aspecto consiste em explorar a temática psicológica de modo tão profundo que o assunto nunca é completamente explorado, ou seja, as diversas possibilidades de análise psicológicas e a complexividade da temática contribuem para a inesgotabilidade do assunto. O fluxo da consciência indefine as fronteiras entre a voz do narrador e a das personagens, de modo que reminiscências, desejos, falas e ações se misturam na narrativa num jorro desarticulado, descontínuo que tem essa desordem representada por uma estrutura sintática caótica. Assim, o pensamento simplesmente flui livremente, pois as personagens não pensam de maneira ordenada, mas sim de maneira conturbada e desconexa. Portanto, é a espontaneidade da representação do pensamento das personagens que caracteriza o caos de tal marca literária.
                O monólogo interior é outro artifício utilizado por Clara Dawn que contribui para a construção da atmosfera introspectiva. Essa técnica consiste em reproduzir o pensamento da personagem que se dirige a si mesmo, ou seja, é como se o “eu” falasse pra si próprio. Registra-se, portanto, o mergulho no mundo interior da personagem, de suas crônicas, a “Neura” que revela suas próprias emoções, devaneios, impressões, dúvidas, enfim, sua verdade interior diante do contexto que lhe é posto.
                Não se deve afirmar que Clara Dawn seja a pioneira no emprego da epifania na prosa/crônica  da literatura de Goiás. “No sentido literário, a "epifania" é um momento privilegiado de revelação, quando acontece um evento ou incidente que "ilumina" a vida da personagem.” O que acontecia de modo peculiar e brilhante nas crônicas de Anatole Ramos e Marieta Telles. Anatole em "Fazendeiro que Dedurou os Bispos (1978)" com os flagrantes do cotidiano, os problemas, as alegrias, os protestos, os sonhos e as esperanças de todos nós e Marieta Telles Machado que era cronista por excelência, transitava pelas áreas da literatura epifânica  nos anos de 1980. Não havia genialidade em ambos, eles não escreviam para a elite ou para a plebe, crônicas dirigida ou bitoladas. Apostavam na linguagem,simplesmente,  compreensível para quem sabe ler, sem poses, sem afetação, pobre de hermenêutica, mas ricas de espiritualidade social.
                Mas posso, assim, dizer que nos textos de Clara Dawn ela consegue impor genialismo a simplicidade e o seu objetivo maior é o momento da epifania: por meio de uma espécie de revelação (o que se dá por meio de um fato inusitado), a personagem descobre que vive num mundo absurdo, causando um desequilíbrio interior que, por sua vez, provocará uma mudança radical em sua vida ou não. Honestíssima, espirituosa, imaginosa e de raciocínio célebre, Clara salta num átimo de tempo de poetisa dos valores morais, de contador de histórias acriançadas a embaixadora da alegria e da surpresa. O fator surpresa é inevitável aos escritos de Clara Dawn
                É também peculiaridade da autora a construção de textos inconclusos e outros desvios da sintaxe convencional, além da criação de alguns neologismos. Clara Dawn não adota o padrão da gramática normativa, pois tem na valorização da expressividade do texto a regra primordial de sua literatura. Assim, as frases não são feitas com o rigor gramatical e coerente, mas sim com o primor e o viço da expressão artística.  Assim, podando os excessos e desconsiderando os modismos, Clara Dawn desponta entre os melhores escritores da literatura brasileira produzida em Goiás.     
                Clara Dawn tem uma significativa produção como cronista do Diário da Manhã - Goiânia. Reunidas no livro “Sofia búlgara e o tabuleiro da morte”, Kelps, Goiânia, 2011.  Apesar desta particularidade da obra de Clara como cronista, nosso principal interesse neste trabalho é o fato de que, através dos estudos de suas crônicas reunidas é possível compreender como ocorre aquilo que a própria autora nomeia em “Os veios no barro de Manoel”, como um plágio de si mesma.
                Para compreender este interessante processo de auto-plagiamento, meu principal alvo de observação são as crônicas publicadas no DM-Revista - Diário da Manhã que posteriormente foram reformuladas e reunidas em determinados livros de antologias e agora em “Sofia búlgara e tabuleiro da morte”. Há em todo este percurso não apenas alterações no que se refere ao veículo literário em que o texto se insere, mas também reformulações literárias de um texto para outro que indicam um inacabamento que, segundo o meu compreender, pode evidenciar um discurso de alma transparente, de quem não teme aprender,  ao trabalho de polimento e despojamento das máscaras e dos mistérios de Clara em todas as suas versões de estilo.
                Estudar estas crônicas da autora permite ver a sua obra literária em movimento na observação da trama em seu estado bruto, ainda em germinação e sem as mudanças que serão feitas pela autora. Para isto pretendo mapear as mudanças realizadas neste trajeto da crônica para o romance Alétheia e notar em quais histórias dentro da história, esta germinação/alteração pode ser encontrada e buscar compreender o que estas sentenças significam a síntese da obra de Clara Dawn. Ao observar as alterações feitas pela escritora entre o jornal e o romance Aletheia e do romance para as crônicas jornalísticas analiso não apenas a mudança de gênero – crônica/conto - como também as escolhas linguísticas e literárias que determinam o maior status literário tanto do romance em relação a crônica, quanto das crônicas e em relação ao romance. Sem dúvida alguma, Clara escreve crônicas como num ritual romântico e fez um romance cronicamente.
                Esta análise visa caracterizar a obra de Clara como romancista/cronista a fim de determinar como a autora constrói este conjunto de textos. Desta forma, tento compreender os textos reunidos em “Sofia búlgara e tabuleiro da morte” não a fim de forjar uma definição para estas; mas para tentar delimitar os territórios por onde transita a Clara cronista e assim melhor compreender esta significativa, porém pouco estudada, autora. Definindo este material, compreendendo o lugar em que as crônicas que é o meu principal objetivo de pesquisa – as que são reescritas transformando-se em futuros contos/romances  se inserem no mapa romancista/poético de Clara Dawn.
                Observar as diferentes aceitações da crítica de uma Clara-cronista-poética  e de uma Clara-romancista permite analisar como a noção de autoria interfere na compreensão da obra da escritora. Pensar no que Foucault  chama de posição-autor no caso de Clara Dawn através de sua obra cronística pode auxiliar a compreender a leitura que é feita destes textos. Meu objetivo neste sentido seria analisar como funciona na recepção da obra desta autora o movimento caracterizado por Foucault em que o nome do autor assegura uma função classificativa e delimitadora de um conjunto de textos. Isto permite analisar de que forma o lugar que Clara ocupa para a crítica literária determina significativamente a leitura de suas crônicas e de seus romances também.
                Antonio Francisco, angolano, tradutor e professor de francês que conheci por intermédio do Facebook, convidou-me a ler um artigo onde ele aborda  a questão da recepção de Clara Dawn na França e Angola.  Tema muito relevante, já que se sabe que Clara Dawn é uma escritora que tem devotos em vários países, sobretudo no mundo de língua francesa, espanhola e portuguesa.
                Trata-se de um artigo escrito em português e francês que se lê com interesse e prazer porque é bem escrito, organizado, articulado. Além de demonstrar muita maturidade intelectual e humana, o autor analisa aspectos da obra de Clara Dawn, assim como algumas crônicas publicadas em francês. A recepção está fundamentalmente na análise literária e se encontra sobretudo no que trata da espiritualidade, e aborda as relações da literatura com as artes plásticas e a música formando um mosaico instigante  as facetas da obra de Clara, sem perder a leveza de seu modo claradawniano de escrever.  
                O artigo em francês de  Antonio Francisco é relevante para a recepção  de Clara Dawn no exterior, pois foi através dos seminários de Antonio na Universidade de Paris que muitas pessoas tiveram acesso à obra da escritora brasileira/goiana
                Embora o autor do artigo tenha algumas boas intuições sobre tradução, e sobretudo acerca da experiência de traduzir e assim traduz crônicas de  Clara Dawn para o francês, lhe falta a capacidade literária de demonstrar o labor narrativo de Clara Dawn. Nada melhor do que ler e reler suas crônicas cruas, sem a revisional de uma edição e assim podemos descobrir uma autora em toda a singeleza de sua criação sólida e inacabada. Que Deus me dê vida para ver Clara erguendo tijolos, colunas e teto. Parabéns, Diário da Manhã por ter Clara Dawn como uma de suas cronistas! 
 
*Fátima Santana é professora, jubilada, dos cursos de “História da Arte e Literatura da Língua Portuguesa” da FLUC – Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – Portugal
 


Clara Dawn
Escritora: romancista, contista, cronista do Diário da Manhã - DM-Revista (pág 06) - Sempre às segundas-feiras e editora cultural da revista eletrônica da União Brasileira de Escritores de Goiás.
 
Site UBE:
www.ubebr.com.br
Blog 1: http://claradawnescritora.blogspot.com/
Blog 2: http://twitter.com/claraescritora
Blog 3: http://www.facebook.com/home.php#!/

Um comentário:

VOLTANDO A FALAR DE SONHO

Sonho é matéria invisível Igual carícia de vento Pode ser lembrança vivida Ou coisas que invento. Quando meu coração Acorda sorrindo E diz...