Nesta quinta feira, 02/01/2014, acordei com o sol pulando o muro de meu quintal, passeando pelo jardim todo garboso, atravessando a varanda e esparramando seu sorriso luminoso através das janelas da casa.
Pensei comigo: há coisas que tem um valor inestimável para a vida da gente, acordar é uma delas. O simples ato de abrir os olhos e sentir-se vivo é testemunho de que a vida continua, mas sei que a qualidade de nossos dias depende, também, de muitos outros fatores.
Despertar assim como despertei hoje, poder levantar e assistir a alegria das abelhas, beija-flores e outros pequenos seres visitando meu jardim, bisbilhotando, sem pudor, as intimidades das flores de maracujá, é um privilégio inominável. Por isso aproveitei o restinho de recesso do trabalho, decorrente dos festejos natalinos e final de ano e procurei desfrutar dessa ociosidade gostosa que as obrigações cotidianas me rouba.
Aproveito para falar de meu jardim, meu pequeno oásis. Ele é simples e suficiente como deve ser tudo o que temos.
O maracujazeiro cobriu todo o gazebo e agora se dedica a produzir flores que fazem a alegria dos polinizadores, além dos deliciosos frutos. O limoeiro está iniciando a primeira produção, enquanto o pé de mexerica aguarda sua vez, assim como a tenra goiabeira que ensaia iniciar o cumprimento de sua missão. Tem ainda o velho pé de romã, cuja muda foi um presente de minha saudosa avó Virgínia, que já se foi há alguns anos. Não poderia deixar de mencionar os pés de banana ourinho, em franca produção. Infelizmente, tive que poder o abacateiro, contra minha vontade, por causa da reforma da casa. Ele estava enorme e representava perigo, mas o tronco já está brotando novamente e agora ganhou umas orquídeas para complementar a ornamentação.
Assim comecei meu segundo dia neste início de ano, dedicando-me ao deleite da contemplação.
Após cumprir algumas obrigações domésticas ao longo do dia, no final da tarde, ainda com o sol de verão colorindo de luz o meu quintal, dei uma pausa para o ritual do café. Isso mesmo, ritual do café. É assim que minha filha Amanda denominou o momento em que eu e a Ilka pausamos o tempo para degustar um cafezinho caseiro. Ainda mais agora, que ganhamos uma cafeteira expresso o momento ritualístico ficou mais cult. Isso porque, quando possível, como foi hoje que estávamos de folga, o cafezinho foi degustado com a calma que o momento merece, sem goles apressados, sem olhar no relógio, sem sair às pressas porque time is money. Foi nesse momento em que me apossei do livro “Variações sobre o prazer”(*), de Ruben Alves, presente que a Ilka ganhou de nossa filha Larissa.
Concluí a leitura do prefácio impactado, sobretudo pela crônica “Se eu tivesse apenas um ano a mais de vida...” que ele inseriu na apresentação de seu livro. Fiquei com raiva de Rubem Alves. Eu deveria ter escrito aquela crônica.
No primeiro parágrafo da transcrição, ele diz: “ Para que ler poesia? Para a gente ficar mais tranqüilo e mais bonito. Mas não me entendam mal. Já observaram os urubus – como eles voam em meio à ventania? Eles nem batem asas. Apenas deixam-se levar, flutuam. Esse jeito de ser chama-se sabedoria. A poesia nos torna mais sábios, retirando-nos do torvelinho agitado com que a confusão da vida nos perturba”. (p.8)
Mais à frente ele complementa: “Pois é isso que a poesia faz: ela nos convida a andar pelos caminhos de nossa própria verdade, os caminhos em que mora o essencial”.(p. 9)
O próprio Rubem Alves levanta o questionamento: O que é o essencial? Ele mesmo responde com um exemplo: “Um conhecido meu, místico e teólogo da Igreja Ortodoxa Russa, ao saber que tinha um câncer no cérebro e que lhe restavam não mais que seis meses de vida, chegou à sua esposa e lhe disse: “Inicia-se aqui a liturgia final”. E, com isso, começou uma vida nova. As etiquetas sociais não mais faziam sentido. Passou a receber somente as pessoas que desejava receber, os amigos, com quem podia compartilhar seus sentimentos. Eliot se refere a um tempo em que ficamos livres da compulsão prática – fazer, fazer, fazer. Não havia mais nada a fazer. Era hora de se entregar inteiramente ao deleite da vida: ver os cenários que ele amava, ouvir músicas que lhe davam prazer, ler os textos antigos que o haviam alimentado.
O fato é que, sem que o saibamos, todos nós estamos enfermos de morte e é preciso viver a vida com sabedoria para que ela, a vida, não seja estragada pela loucura que nos cerca”. (p. 10)
(...)
Com essa reflexão inicio este ano de 2014. Há 54 anos tenho o privilégio amontoar fevereiros em meu celeiro de dias, mas até quando? Por isso, amigos, não me procurem no torvelinho de inutilidades, do fazer por fazer. A partir de agora, vou me dedicar ao essencial. Maktube.
(*) Alves, Rubem. Variações sobre o prazer: Santo Agostinho, Nietzsche, Marx e Babette. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2011.
Nascido na véspera do futuro, De que me adianta o brilho Néon do engano Se não consigo evitar a calvície De meus sonhos? Das cavernas, A angústia me consome. Da pedra lascada À Internet, Nada mudou. Nos cromossomos Somos os mesmos: Pânico diluído nos gens. Se a cabala fala, O que me cala é o medo Que meço a polegadas No tic-tac de meus dias.
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Muito interessante!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!\preocupamos demais com o que temos a fazer e às vezes deixamos de viver.
ResponderExcluirObrigado pela visita e pelo comentário, Amiga Fátima Paraguassú.
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