Viajante de hemisférios oníricos
Amo colher paisagens com os olhos.
Vivo de viver as idílicas delicias
Em eventos de Carpen Diem empíricos.
Acostumado a surfar na cauda de estrelas cadentes,
Não me conformo com slow motion de emoções.
Preciso existir além do cabe em mim
,
Ainda que seja script de pantominas incandescentes.
Sem bússola, sem norte, sem destino
Sem saber das mil possibilidades das insanas travessuras,
Guiado tão somente por meu louco desatino
,
Pousei no paraíso, meu doce pomar de loucuras,
Como meu sexto sentido “não pega” de primeira
Tentei decifrar as regras nas entrelinhas
.
Tudo em vão, pois, não bastasse as nuvens de mistérios,
Restava decifrar os enigmas do deus das vinhas.
Se Eva viu a uva e não a maçã
E pelo fruto ela enlouqueceu
Sei que minha luta será vã
Por causa do fogo roubado por Prometeu.
De repente vejo minha Afrodite surgir resplandescente
Caminhando absorta no meio do pomar
,
Sobre o corpo nu apenas um véu de luz transparente,
Insinuando sua beleza de deusa sem par.
Num átimo, recolho-me intimidado
E ocupo-me à tarefa maravilhosa de contemplar
A deusa caminhando de modo descuidado
Como quem não tem com o quê se preocupar.
De repente ela detém-se a examinar
Alguns cachos de uvas prontos pra colheita
.
Ela os colhe com cuidado, pra não os machucar
E sob a parreira pejada a musa se deita.
Embevecido saio de minha trincheira imaginária
Certo de que a deusa não vai me perceber
.
Tolice minha. As deusas têm sensibilidade extraordinária
E veem limites que os mortais não podem ver.
Pego em flagrante por delito de encantamento
Sou condenado a colher as uvas no corpo da Vênus
.
Réu confesso, cumpro sem queixas meu apenamento
Com a certeza que não quero a liberdade por bônus.
Com calma poética colho uva por uva
E por último retiro o véu de luz
.
Diante de meus olhos a beleza da vulva
E todos os relevos que me seduz.
Algemado pelos grilhões da paixão
Selo com longo e louco beijo minha sentença
Certo que nada, nem ninguém, me livrará da prisão
Que a poesia me condenou de nascença.