segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

EU POR MIM MESMO



Sou poeta em tempo integral.
Antes do romper do dia,
Dalva, a estrela, minha Vênus iluminada,
Bate na minha janela
E me convida para o alvorecer.

Então olho pelas janelas
Dos meus sentidos
E vejo a linda Eos, deusa do amanhecer,
Abrindo as portas do céu
Para a carruagem de Hélio passar
E deixar meu dia iluminado.

Na rotina dos dias
Não me deixo embrutecer.
Por isso me dedico às sutilezas
Imperceptíveis aos homens de pedra.

Poeta matutino,
Sei o segredo das mamangavas
Que todas as manhãs colhem pólen
Deflorando inocentes flores de maracujá
Que nada sabem sobre delícias de se deixar beijar.

Também não me descuido de ouvir
O canto dos pássaros que fazem algazarra
Na romãzeira do meu quintal
Como se cada amanhecer fosse motivo para um festival.  

Quando Hélio esparrama ouro em meu jardim,
Observo a paciência das orquídeas
Enxugando suas pétalas molhadas de orvalho,
Lindas e felizes, como se despertassem de uma noite de amor.

Mas como não vivo de brisa
Cumpro, prazerosamente, meu matinal ritual do café
E sigo para a lida, certo que meu ofício diário não é metafórico.
Bem sei o que me custa
Mediar conflitos na tenda das contendas.

Para sobreviver,
Eu, como Pessoa, me divido em outros Eus
Em dura heteronimia que não alivia, mas liberta.

Na prateleira das incertas certezas
Guardo meu dossiê
Acessível a quem me lê.
São páginas e páginas
De concretas abstrações
Diálogos, monólogos e solilóquios.
Agônicas alegrias. Homéricas emoções.

Minha saga é ser Almáquio
Alma que ama
Ainda que mártir em Roma.

Também sou Bastos
Mas não me basto.
Insuficiente para ser sozinho
Sou ave que voa alto
Sem sair do ninho. 

2 comentários:

  1. Lindo poema, especialmente por este fecho: "Mas não me basto.
    Insuficiente para ser sozinho
    Sou ave que voa alto
    Sem sair do ninho. " Parabéns pela inspiração.

    ResponderExcluir
  2. Obrigado caríssima Sandra Fayad. Muito me honra seu comentário.

    ResponderExcluir

VOLTANDO A FALAR DE SONHO

Sonho é matéria invisível Igual carícia de vento Pode ser lembrança vivida Ou coisas que invento. Quando meu coração Acorda sorrindo E diz...