Nascido na véspera do futuro, De que me adianta o brilho Néon do engano Se não consigo evitar a calvície De meus sonhos? Das cavernas, A angústia me consome. Da pedra lascada À Internet, Nada mudou. Nos cromossomos Somos os mesmos: Pânico diluído nos gens. Se a cabala fala, O que me cala é o medo Que meço a polegadas No tic-tac de meus dias.
segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
ABANDONADOS
A Serra espelha-se no Mar,
O Sol brilha e aquece
E a desumanidade permanece,
Nos animais abandonados
Perdidos, maltratados.
Trinta cães no Cimo da Serra
Nove no Portinho da Arrábida,
Abandonados por aqueles
De quem foram, amigos fiéis.
O tempo estava quente,
A Serra brilhava
As cigarras cantavam
O mar enrolava
A areia da praia,
As crianças brincavam.
E eles perdidos
Abandonados
Sem água,
Sem casa,
Sem vida,
Sem comida,
Uivavam…
Num cântico negro
Desesperado!
Eles estão amedrontados
Abandonados,
Formam matilhas
Seguem as trilhas
Vêm à estrada
E esperam aqueles
A quem amavam.
Eles não voltam,
Eles não sabem
E esperam a bênção
De um afago,
A beleza da Serra
Está manchada
Por gente,
Que deixou de ser gente
Quando os abandonaram!
A Serra encanta
O peregrino sequioso,
Ao longe o mar
Toca seu canto doce…
Eu não volto à Serra!
Não posso voltar,
Olhar e nada fazer
E esquecer
E não ver
À minha volta,
O que se vai passar.
E tenho de viver,
Nada posso fazer
Tenho de esquecer!
Mas fica escrito
No vento,
O que acabo de dizer.
Maria Luísa O. M. Adães em http://prosa-poetica.blogs.sapo.pt/
Agradeço à poeta Maria Luísa à belíssima manifestação de humanidade por meioo da poesia. Lá de Portugal para o mundo, sua poesia é um grito de denúncia contra todos que se desumanizaram abandonando aqueles que foram am igos fiéis. A cada dia que passa, mais me encanto com a fidelidade canina. Aprendessem os homens o exemplo desses animais, o mundo seria diferente, para melhor, é claro.
domingo, 27 de dezembro de 2009
VARANDA DE LOUCURAS
Nos corredores do mundo.
A população da terra,
Desenganada de afeto,
Espera resignada
O vídeo taipe da primavera que passou.
Ainda ontem, éramos crianças,
Brincando de construir futuro
No quintal da infância.
O tempo de amar
É escasso no ciclo dos mortais!
Por isso, em tuas mãos entrego-me,
Dispo-me de pudor
Para o ato do abraço.
Vem e faz de mim
A lúdica fantasia
Em teu alegre novelo
De sonhos impublicáveis.
Ao quedar-te embevecida,
Rompa o halo e o elo
Do medo.
Ao atar-me,
Dispa-se do pré-conceito
De amar o amor.
Abandone o sentimento
Milimetrado,
O prazer bem comportado,
Em que a vírgula
Determina o fôlego,
O gemido,
O grito.
Dispa-se inteira.
Rasgue o manual
De etiquetas em despedaços
e livre, sirva-te de pêssegos
em minha varanda de loucuras.
Vem colher amoras maduras
Em meus galhos pejados.
Vem vestir-te de vento
No pomar deste outono
Que pode nunca mais existir.
No ciclo das estações,
A única certeza é a alegria
Das borboletas
Que semeiam vida
No sexo das flores.
Vem olhar pela janela
De meus olhos o frio de afeto
Que faz lá fora de nossos corpos.
Vem mostrar-me a orquídea
Guardada entre suas coxas.
Deixa-me passear em teu jardim,
Sentir o aroma de flores exóticas
E colher frutos silvestres
Maduros de desejos.
Há um silêncio de carinho
Nos corredores do mundo!
BASTOS, Almáquio. Ciclo do nada. Goiânia:1996. p.71
Poema premiado em 2º lugar no Concurso Nacional Cidade de Mineiros – 1995.
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
O BÊBADO, O PADRE, O JORNAL E A ARTRITE
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
LIVRO FRANCÊS DISCUTE "A INFLUÊNCIA DO BUMBUM" NA HUMANIDADE.
"La Face Cacheé des Fesses" ("A Face Oculta das Nádegas", em tradução livre), uma parceria entre a documentarista Caroline Pochon e o jornalista Allan Rothschild, estreia em forma de documentário nesta quarta-feira no canal Arte de televisão, horas antes de a edição impressa homônima chegar às livrarias.
Os autores concluíram 18 meses de uma investigação que as editoras da obra, Arte e Democratic Book, estão apresentando como "séria, ao mesmo que lúdica", e com um "toque de espírito libertino".
"Quando falamos das nádegas", diz um trecho do documentário, "falamos de nós mesmos".
Psicanálise e semiótica. Os autores propõem uma viagem multidisciplinar pelas diferentes representações do traseiro na história da humanidade, emprestando conceitos de história da arte, psicanálise, sociologia e semiótica.
Pochon e Rothschild falam a um país onde as referências ao que a revista semanal L'Express descreveu como "a parte mais subversiva da anatomia humana" não são incomuns.
"A pátria, a honra, a liberdade, nada existe: o universo gira em torno de um par de nádegas", disse o filósofo Jean-Paul Sartre, como lembrou o diário Le Monde.
Nesse contexto, a imprensa vem tratando esta celebração ao traseiro como "a cereja do bolo dos lançamentos natalinos".
"Há mil coisas a dizer sobre as nádegas", afirmam Pochon e Rothschild. "Elas nos falam sobre os fundamentos - no sentido literal e figurado - de nossa sociedade, os seus tabus e os seus desejos", refletem.
fonte: http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/bbc/2009/12/09/ult2242u2022.jhtm
domingo, 6 de dezembro de 2009
CARTA
Para sempre lembrar
Que não mais existo em ti,
Destruirei todos os vínculos de ternura
Fincados na superfície da lembrança.
Esquecerei o riso abraçado ao sonho,
O ritmo da busca do grito
Ancorado no alpendre da loucura.
Esquecerei a candura de um simples
Gesto lançado ao acaso.
Esquecerei teu nome fora
De minha boca,
Quando muito, um murmúrio, um lamento...
Para sempre lembrar
Que não sobrevivi,
Esquecerei outonos passados
Quando negras amoras sorriam
Nos galhos pejados.
Mas como não imaginar tua boca violácea,
Doce, dulcíssima, na minha (num outono passado)?
Esquecerei que tantas vezes
Celebrei teu nome impunemente,
Vadiando o pensamento malino
Nas madrugadas esferográficas
Em que estrelas invadiam a janela das têmporas.
Ah! Meu canteiro de orquídeas!
Quem te batizou sem alma?
Destruirei todos os vínculos.
Ruminarei todas as mágoas.
Semearei outros sonhos na vitrine de meus olhos.
Esquecerei que minhas mãos navegaram tuas carnes
Desvendando todos os segredos,
Espalhando mel na pele quente,
Derramando vinho nas curvas,
Semeando cerejas e beijos
(mágico ritual de desnudar encantos).
Difícil compreender
A dor de perder
O que não se teve.
Difícil entender saudade
Do que nunca existiu.
Difícil tolerar minha imaginação
Capaz de criar detalhes
De um absurdo.
Hoje, quando observo tua postura de mármore,
Não admito como pude acreditar em mim.
BASTOS, Almáquio. Ciclo do Nada, 1996, p 63)
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Músicas Goianas na fase final do Festival nacional da Associação das Rádios Públicas do Brasil
http://www.arpub.org.br/
OUVI E VOTEI. Vale a pena conferir. Gostei das duas músicas, mas especialmente a do Francisco Aafa. OUÇA E VOTE.
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
PÊSSEGO
Só de ouvir a voz de Albertine entrava em orgasmo. Se diz que:
O olhar de voyeur tem condições de phalo (possui o que vê).
Mas é pelo tato
Que a Ponte do amor se abre.
Apalpar desabrocha o talo.
O tato é mais que o ver
É mais que o ouvir
É mais que o cheirar.
É pelo beijo que o amor se edifica.
É no calor da boca
Que o alarme da alma grita.
E se abre docemente
Como um pêssego de Deus.
OBS: “Ella” é uma escultura de 12 metros feita com pêssegos como parte de uma campanha promocional de um fabricante de produtos para pele da Austrália. (foto) http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.netfrases.com/wp-content/uploads/2008/09/ella.jpg&imgrefurl=http://www.netfrases.com/escultura-gigante-de-uma-mulher-feita-de-pessegos.html&usg=__VTozDCmGBzG6ZMQjU_QWnVywC8A=&h=279&w=500&sz=27&hl=pt-BR&start=229&sig2=uL7R3tzWDM6rNPMeiDxiYg&tbnid=c7CaZLGYHYVEyM:&tbnh=73&tbnw=130&prev=/images%3Fq%3Dpessegos%26gbv%3D2%26ndsp%3D20%26hl%3Dpt-BR%26sa%3DN%26start%3D220&ei=0wLmSqLEBYu0tgfJhN3LCA
CASSETADA POÉTICA
sábado, 10 de outubro de 2009
CICLO DO NADA
BASTOS, Almáquio. Ciclo do Nada, Ed. Do autor. Goiânia: 1996 p. 45
Este poema conquistou o 1º lugar no II Concurso Nacional Região de Iporá de Conto e Poesia, uma promoção da Prefeitura de Iporá, Faculdade de Ciências e Letras de Iporá, com apoio da UBE-Goiás e da Fundação Cultural Pedro Ludovico Teixeira.
Conquistou também o 2º lugar no 1º Concurso de Poesia Pero Wilson – Março de 1996.
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
A SUBJETIVIDADE RELACIONAL DA LEITURA DO LIVRO “CICLO DO NADA”
* Trabalho apresentado em pela, então acadêmica, Elcilene Gomes Moreira, na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás, Departamento de Estudos Linguísticos e Literários, disciplina Português IV, cadeira do Profº. Dr. Agostinho Potenciano, em outubro de 2003.
Referências Bibliográficas:
BASTOS FILHO, Almáquio. Ciclo do Nada. Goiânia:edição do autor. ed. Pirineus, 1996.
BOSI. Alfredo.O ser e o tempo da poesia. 6ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
BRANDÃO. Junito de Souza. Mitologia Grega. vol. I . 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1986.
D’ ONOFRIO, Salvatore. Teoria do Texto 2: teoria da lírica e do drama. 1ª ed. 3ª impressão. Ed. Ática, 2001.
domingo, 20 de setembro de 2009
BARBINHAS RALAS E BIGODINHOS VERTICAIS
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
REVOLUÇÃO SEXUAL
Arena de indômitas vulvas,
Hímens desafiam homens.
Tombado o tabu no gineceu,
Mulheres meninas
Masturbam mentes masculinas
E antecipam o himeneu.
(A perseguida
Transformou-se e perseguidora
E com furor uterino
E gula bilabial
Rompeu um paradigma machista,
Corrigindo um equívoco cultural:
__Quem come quem?)
No podium, sob finíssima lingerie,
A flor deflorada,
ladeada por sensual
borboleta tatuada,
declara sem pudores,
que chegou o tempo das flores.
Sob o Signo de Eros, p. 75
domingo, 16 de agosto de 2009
O BELO SEXO DOS HOMENS
MARTA BARBOSA Colaboração para o UOL
Florence Ehnuel é o pseudônimo de uma filósofa e psicoterapeuta francesa ocupada em relacionar a filosofia à vida cotidiana. Professora bastante atuante em Paris, ela até já recebeu um prêmio da Académie Française, em 2004, por aplicar o que chamam filosofia moral. Não é, por assim dizer, uma mulher vazia, muito menos desocupada. E talvez ai esteja o ponto forte do seu livro "O Belo Sexo dos Homens" (tradução de Véra Lucia dos Reis, publicado no Brasil pela Objetiva).
Em "O Belo Sexo dos Homens", filósofa narra redescoberta do sexo masculino.
Bruna Surfistinha e Catherine Millet a parte, trata-se de um testemunho bastante detalhado da redescoberta do corpo masculino e o ressurgimento da própria sexualidade. Por volta dos 35 anos, Florence deixou o confortável espaço num casamento tradicional e se viu estimulada a viver aventuras amorosas. Não perdeu tempo.Dos encontros casuais, relatados com pouco romantismo no livro, mas com muito erotismo, Florence foi construindo um mosaico interessante de descobertas sobre o corpo masculino. Despertou, como ela própria faz questão de esclarecer, para as belezas do sexo, que não tem nada a ver com amor ou casamento, mas que se tornaram complementares na sua vida.A partir de suas próprias experiências, a autora vai liberando suas teses a respeito da sexualidade feminina. Aborda, por exemplo, a questão da poligamia em tempos modernos. Florence rejeita o sentido clássico de fidelidade. Desdenha qualquer relacionamento baseado no monopólio. "Parece que se apaixonar resulta em exclusividade, na concentração de toda a energia numa única pessoa", escreve. "Não sei por quê, mas eu diria que, para mim, é o oposto. Estar apaixonada por um homem me torna apaixonada por todos os lados."Da mesma forma, o ciúme é visto como alguma coisa no mínimo desnecessária. Justificado, no máximo, como uma reação espontânea, incontrolável algumas vezes. Mas como base de regra de vida, um sentimento sem sentido, alienante, para dizer o mínimo. A escritora se justifica usando uma comparação no mínimo inusitada: relaciona o homem a um pico dos Pireneus. "Acho-o esplendoroso e sonho em escalá-lo regularmente. Apesar desse entusiasmo, não gostaria que me dissessem que será a única e exclusiva caminhada que terei o direito de fazer na vida, ou até mesmo no próximo decênio."Mas não se engane. "O Belo Sexo dos Homens" não é um livro sobre a promiscuidade. Embora seja um relato capaz de deixar qual feminista de cabelo em pé, há um discurso social no testemunho de Florence. No fundo, parece o relato libertador de uma mulher que venceu a opressão sexual assumindo um papel de protagonista quando o assunto é sua própria sexualidade.A autora assume, por exemplo, certo prazer em ser frágil diante do homem. Diz que a força masculina é um ponto de atração na relação heterossexual, e que não há submissão alguma em ser carregada, cortejada, e tratada como um ser delicado no jogo da conquista. Também relata a observação do corpo como uma parte da relação sexual tão desejada quanto a penetração, ou o gozo. A escritora permite-se e defende o exibicionismo e o voyeurismo sem conotação patológica, mas sim como um estágio da intimidade, absolutamente necessário no espaço onde todo o desejo é permitido.Para dar crédito a suas teses sobre sexualidade feminina, Florence cita de Jean Renoir a Platão. Deriva do "Banquete", aliás, a lição de poligamia que a autora sustenta. "Platão ensina que o amor pelos belos corpos é o primeiro grau na ascensão para outros amores menos carnais e muito mais compensadores para a alma." Então tá.
"O BELO SEXO DOS HOMENS"Autor: Florence Ehnuel Tradução: Véra Lucia dos Reis Editora: ObjetivaNúmero de páginas: 112 Preço sugerido: R$ 39,90
http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/livros/resenhas/2009/08/16/ult5668u114.jhtm
sábado, 15 de agosto de 2009
SEM MEDO DE MEDUSA
Meia dúzia de medusas
Não me assombrariam
Se nas sombrias sobras petrificadas
Vicejasse alguma poesia.
Narciso anão
Meu espelho
Seu rosto espelha
Incansavelmente
Contemplo a face amada
Na líquida lâmina espelhada.
Ser poeta é isto:
Admirar a musa
Ainda que medusa
BASTOS, Almáquio. Sob o signo de Eros, p. 67
Ilustrução capturada no site http://fantasy.mrugala.net/Greg%20Horn/
quinta-feira, 6 de agosto de 2009
QUAL A "FUNÇÃO" DA LITERATURA?
Carta ao Professor
por Ricardo Azevedo.
Somos condicionados, pela cultura utilitária que nos rodeia e sufoca, a acreditar que tudo tem uma função. Trata-se de uma crença equivocada e desumana. As coisas mais importantes da vida costumam ser justamente aquelas sobre as quais não cabe falar em função. Qual a função da amizade? Qual a função do sublime? Qual a função da saudade? Qual a função da vida?
Embora não faça sentido falar em “função” da literatura de ficção e poesia, sua importância é indiscutível:
1. Através da literatura entramos em contato com temas humanos complexos, ausentes dos livros utilitários, mas essenciais: a paixão, a busca do autoconhecimento, a angústia, a luta do velho contra o novo, o ciúme, a confusão entre a realidade e a fantasia, a mentira, a existência de diferentes pontos de vista sobre um mesmo assunto etc.
2. Narrativas construídas acumulativamente, com começo, meio e fim, podem nos ensinar a elaborar o processo, portanto, o sentido de nossa própria vida. Para Varga Llosa a ficção “...goza daquilo que a vida vivida – em sua vertiginosa complexidade e imprevisibilidade – sempre carece: uma ordem, uma coerência, uma perspectiva, um tempo fechado que permite determinar a hierarquia das coisas e dos fatos, o valor das pessoas, os efeitos e as causas, os vínculos entre ações.”
3. A literatura, principalmente através da poesia, possibilita o contato direto com o discurso subjetivo. Compare o texto didático e impessoal “ A água ferve a 100º com “uma parte de mim/ é todo mundo/ Outra parte é ninguém/ fundo sem fundo/ uma parte de mim/ é multidão/ outra parte estranheza/ solidão(...)” *
4. Pode trazer personagens paradoxais, por vezes incoerentes, mergulhadas num constante processo de amadurecimento, lutando para construir o significado da própria vida ( e evitar a visão idealizada do homem, ou seja, sua apresentação com um ser esquemático, lógico e previsível, sem conflitos e sem humanidade).
A literatura tem outras ótimas qualidades, mas o espaço é curto. O contato com temas da vida concreta e com vozes diferentes das nossas pode, por meio da identificação, construir um extraordinário recurso de humanização e sociabilização. Em tempos de consumismo sem limites, individualismo doentio e coisificação do homem – com efeitos nefastos numa sociedade desequilibrada como a nossa – a leitura de ficção e poesia pode ter um papel regenerador e insubstituível.
“Traduzir-se” de Ferreira Gullar, Toda Poesia, Rio de Janeiro, José Olimpio, 1991
Ricardo Azevedo é escritor, ilustrador e pesquisador. É autor, entre outros, do premiado livro Um Homem no Sótão (Ed. Ática, 2004) www.cartanaescola.com.br
quarta-feira, 15 de julho de 2009
TERCEIRIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: CÂNCER NO SEIO DA SOCIEDADE MODERNA?
Um incidente qualquer, por mais banal que possa parecer à maioria das pessoas, pode ser excelente combustível para um cronista, assim como uma nesga de luz, vazada por entre as frestas de uma velha janela de madeira pode iluminar a mente de um poeta. Do mesmo modo, a curva de um rio ou o olhar triste de uma criança pode encher de cores uma tela branca sujeita a emoção de um pintor. Embora muitos não percebam, a vida é assim. Tudo pode ser matéria nas mãos do artista.
Entretanto, poetizar nem sempre é indolor, assim como nem sempre as contemplações são matérias primas de arte. Aprende-se muito com a dor, com o erro e também com o simples ato de observar.
Minha avó era analfabeta, não sabia escrever, mas sabia ler as coisas que não estavam escritas em papel. Em contrapartida, em minha vida profissional, já trabalhei com chefes pós-graduados, mas incapazes de perceberem qualquer coisa além das encardidas letras dos manuais. Somente o tempo me trouxe a serenidade de compreender que a vida é uma escola que precede a escola.
Hoje, por exemplo, eu tive uma aula importante. Minha esposa me pediu que a levasse ao centro da cidade a fim de comprar algumas coisinhas. Tentei persuadi-la a ir a um dos Shoppings da nossa capital, como ela mesma sempre prefere, mas desta vez ela foi enfática ao dizer que queria visitar algumas das lojinhas que ficam ali no centro de Goiânia, mais precisamente nas proximidades da Avenida Goiás com a Avenida Paranaíba, próximo ao mercado aberto. Como discutir com alguém que tem, em si, um parque de diversões à nossa disposição, mas também tem TPM? Lá fomos nós. A propósito, o mercado aberto deveria mudar de nome. Eu o batizaria, sem medo de errar, de “inferno a céu aberto”. Se Dante Alighieri o tivesse conhecido, certamente o teria mencionado na sua obra “A Divina Comédia”.
No princípio do tour, eu até que me esforcei para acompanhá-la. Comecei a olhar as alguns objetos, mas, antes de finalizar a primeira dezena de lojinhas, pedi arrego. Preferi ficar do lado de fora, fazendo papel de segurança. Melhor assim, pensei, porque as mulheres não são práticas como nós. Quando elas dizem querer um sapato, olham bolsas, lenços, roupas, bijuterias, olham tudo como se fossem comprar o conjunto. Na verdade estão apenas conjecturando as duas mil setecentos e trinta e nove possibilidades de combinações de um acessório com o outro, inclusive com aquele esquecido no fundo da gaveta, que todas possuem em casa e que dificilmente usam. Os maridos atentos sabem do que eu estou falando.
Por isso, seria extremamente proveitoso se todo centro comercial criasse um cantinho para os maridos, como os que já existem em alguns eventos direcionados ao público feminino. Bastariam alguns sofás, uma TV de tela plana com, no mínimo, vinte e nove polegadas, ligada a um canal fechado de esportes ou notícias e cafezinho. Coisas simples, pois não somos exigentes. A grande vantagem é que assim as mulheres teriam mais de tempo e ainda se livrariam da incomoda sombra de companheiros mal humorados.
Como ali na Avenida Goiás, próximo ao inferno a céu aberto, isso é utopia, comecei a observar as pessoas que passavam. E não eram poucas. Uma das primeiras lições do dia, depois do exercício de paciência, foi que a maioria das pessoas não existe no mundo real. São personagens tipológicas oriundas do cinema fantástico ou dos comerciais de TV. Elas se misturam com a população, fazem amizades, casam-se, tem filhos e, sem serem notadas, passam a fazer parte das comunidades. Nos longos minutos que ali fiquei, em catarse, vi muitos que, provavelmente, participaram daquele clip famoso, thriller, do inigualável alienígena Michael Jackson.
Entretanto, as lições mais importantes do dia brotaram da minha inquietação ao assistir algumas cenas comuns, porém inaceitáveis, de prática de maus hábitos. Particularmente, penso que muitos maus hábitos, que afetam a terceiros, deveriam ser considerados crimes ou, no mínimo, uma contravenção penal. A pessoa flagrada na prática criminosa pagaria multa e/ou cumpriria pena alternativa.
Naquela oportunidade, assisti um grande desfile de pessoas jogando lixo no chão, em via pública, com a mesma naturalidade com que respiravam. Foram copos descartáveis, guardanapos usados para segurar aquela coxinha pingando gordura adquirida no quiosque da esquina e devorada durante a caminhada, folhetos de propagandas, embalagem de salgadinhos industrializados, tipo Skiny, ótimos para serem consumidos por aqueles que não amamos. Evidentemente presenciei exceções, mas os deprimentes flagrantes são foram poucos.
Um grande número de pessoas desconhece a função de uma lixeira, ou simplesmente não tem paciência para tentar encontrar alguma, pois o poder público também não ajuda muito quando não faz sua parte, que é instalar lixeiras suficientes nos locais públicos.
Dentre os arremessadores de lixo, destaco os arremessadores de tocos de cigarros. Não pelo tamanho do objeto, mas pelo ato ritualístico. Os tabagistas assumidos, quando estão finalizando uma fumada, dão um último trago como se estivessem tendo um orgasmo. Logo em seguida, inclinam a cabeça em um ângulo de, aproximadamente, quarenta e cinco graus, entortam o canto da boca para o lado e lançam no ar um canudo de fumaça mal cheirosa. Finalizam o ritual com um gesto quase olímpico: prendem o toco aceso entre o polegar estendido e o dedo médio curvado na direção do primeiro. O segundo dedo se solta bruscamente, afastando-se do polegar e impulsionando o objeto, até então, preso que é lançado pela catapulta digital em algum lugar qualquer, a poucos metros de distância.
Finalmente, a lição mais contundente e repugnante. Cenas explícitas de cuspidas ou escarradas em locais públicos. O praticante deste mau hábito, ao ser flagrado, deveria receber, no ato, um papel toalha e então lhe seria solicitado a limpar os dejetos produzidos no íntimo de seu ser e lançados na calçada. O autor reincidente, após o constrangimento da limpeza pública, seria encaminhado à DDC, Delegacia de Defesa da Cidadania, para a aplicação das penalidades cabíveis.
Como afirmei no início deste texto, a vida ensina muita coisa. É sabido que nas escolas tradicionais, as lições são disponibilizadas a todos, mas o aprendizado é algo individual e nem sempre as informações geram conhecimento. Uma mesma sala de aula pode abrigar, simultaneamente, futuros profissionais respeitados e futuros bandidos procurados.
Em face desse dilema, pergunto-me: a escola formal tem conseguido formar cidadãos por meio da transmissão de saberes históricos-culturais institucionalizados? Eu mesmo respondo. Sim e não. E este paradoxo me inquieta.
Os pais têm negligenciado a educação de seus filhos, terceirizando-a a avós, babás, mas, sobretudo aos professores. Tenho conhecimento de que a conquista da cidadania, adquirida por meio de lições de ética, moral e bons modos, ministradas em salas de aulas, é um ideal belíssimo, mas as lições extraclasse, aplicadas no cotidiano, entre os membros da família, podem ser muito mais eficientes. Aquilo que minha avó referia-se como sendo “educação de berço”.
Por isso, creio que a terceirização da educação dos filhos por parte das famílias, principalmente por parte dos pais, aliada à ineficiência do Estado, sobretudo no ensino público, tem criado tantos seres irreconhecíveis que não seria exagero compará-la a um câncer no seio da sociedade moderna.
*Almáquio Bastos é Escrivão Policial Civil e Escritor.
VOLTANDO A FALAR DE SONHO
Sonho é matéria invisível Igual carícia de vento Pode ser lembrança vivida Ou coisas que invento. Quando meu coração Acorda sorrindo E diz...
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Borboleta esculpida em veludo. Asas e mistérios na silhueta bipartida. Uno corpo e mil segredos mimetizados nas peludas paredes do Casulo...
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Sonho é matéria invisível Igual carícia de vento Pode ser lembrança vivida Ou coisas que invento. Quando meu coração Acorda sorrindo E diz...
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Ivan Martins Outro dia eu estava num show do Nando Reis, no Rio de Janeiro, e me percebi completamente hipnotizado por uma das cantoras da...