segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

ABANDONADOS



A Serra espelha-se no Mar,

O Sol brilha e aquece
E a desumanidade permanece,
Nos animais abandonados
Perdidos, maltratados.

Trinta cães no Cimo da Serra
Nove no Portinho da Arrábida,

Abandonados por aqueles
De quem foram, amigos fiéis.


O tempo estava quente,
A Serra brilhava
As cigarras cantavam
O mar enrolava
A areia da praia,
As crianças brincavam.






E eles perdidos
Abandonados
Sem água,
Sem casa,
Sem vida,
Sem comida,
Uivavam…


Num cântico negro
Desesperado!






Eles estão amedrontados
Abandonados,
Formam matilhas
Seguem as trilhas
Vêm à estrada
E esperam aqueles
A quem amavam.


Eles não voltam,
Eles não sabem






E esperam a bênção
De um afago,
A beleza da Serra
Está manchada
Por gente,


Que deixou de ser gente
Quando os abandonaram!


A Serra encanta
O peregrino sequioso,
Ao longe o mar
Toca seu canto doce…


Eu não volto à Serra!

Não posso voltar,
Olhar e nada fazer
E esquecer
E não ver
À minha volta,
O que se vai passar.


E tenho de viver,
Nada posso fazer
Tenho de esquecer!


Mas fica escrito
No vento,
O que acabo de dizer.


Maria Luísa O. M. Adães em http://prosa-poetica.blogs.sapo.pt/

Agradeço à poeta Maria Luísa à belíssima manifestação de humanidade por meioo da poesia. Lá de Portugal para o mundo, sua poesia é um grito de denúncia contra todos que se desumanizaram abandonando aqueles que foram am igos fiéis. A cada dia que passa, mais me encanto com a fidelidade canina. Aprendessem os homens o exemplo desses animais, o mundo seria diferente, para melhor, é claro.  

domingo, 27 de dezembro de 2009

VARANDA DE LOUCURAS

Há um silencio de carinho

Nos corredores do mundo.
A população da terra,
Desenganada de afeto,
Espera resignada
O vídeo taipe da primavera que passou.


Ainda ontem, éramos crianças,
Brincando de construir futuro
No quintal da infância.
O tempo de amar
É escasso no ciclo dos mortais!


Por isso, em tuas mãos entrego-me,
Dispo-me de pudor
Para o ato do abraço.
Vem e faz de mim
A lúdica fantasia
Em teu alegre novelo
De sonhos impublicáveis.


Ao quedar-te embevecida,
Rompa o halo e o elo
Do medo.
Ao atar-me,
Dispa-se do pré-conceito
De amar o amor.


Abandone o sentimento
Milimetrado,
O prazer bem comportado,
Em que a vírgula
Determina o fôlego,
O gemido,
O grito.


Dispa-se inteira.
Rasgue o manual
De etiquetas em despedaços
e livre, sirva-te de pêssegos
em minha varanda de loucuras.







Vem colher amoras maduras
Em meus galhos pejados.
Vem vestir-te de vento
No pomar deste outono
Que pode nunca mais existir.
No ciclo das estações,
A única certeza é a alegria
Das borboletas
Que semeiam vida
No sexo das flores.


Vem olhar pela janela
De meus olhos o frio de afeto
Que faz lá fora de nossos corpos.
Vem mostrar-me a orquídea
Guardada entre suas coxas.



Deixa-me passear em teu jardim,
Sentir o aroma de flores exóticas
E colher frutos silvestres
Maduros de desejos.


Há um silêncio de carinho
Nos corredores do mundo!





BASTOS, Almáquio. Ciclo do nada. Goiânia:1996. p.71
Poema premiado em 2º lugar no Concurso Nacional Cidade de Mineiros – 1995.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O BÊBADO, O PADRE, O JORNAL E A ARTRITE



Num ônibus, um padre senta-se ao lado de um sujeito bêbado que, com alguma dificuldade, lê o jornal. De repente, com uma voz um pouco 'empastada', o bêbado pergunta ao padre:
- O senhor sabe o que é artrite?

Irritado, o pároco responde, num tom irado:
- É uma doença provocada pela vida pecaminosa e sem regras: mulheres,
promiscuidade, sexo, farras, excesso de consumo de álcool e outras coisas
que nem ouso dizer!
O bêbado calou-se e continuou com os olhos fixos no jornal.
Alguns minutos depois, o padre achou que tinha sido muito duro com o bêbado e diz, tentando amenizar:
- Há quanto tempo o senhor está com artrite?
- Eu?... Eu não tenho artrite!!!! Segundo este jornal, quem tem é o Papa !!



quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

LIVRO FRANCÊS DISCUTE "A INFLUÊNCIA DO BUMBUM" NA HUMANIDADE.


Um documentário e um livro que chegam nesta quarta-feira, 09/12/2009, ao público francês prometem alimentar um debate nacional sobre a contribuição do bumbum na formação do imaginário nacional.

"La Face Cacheé des Fesses" ("A Face Oculta das Nádegas", em tradução livre), uma parceria entre a documentarista Caroline Pochon e o jornalista Allan Rothschild, estreia em forma de documentário nesta quarta-feira no canal Arte de televisão, horas antes de a edição impressa homônima chegar às livrarias.

Os autores concluíram 18 meses de uma investigação que as editoras da obra, Arte e Democratic Book, estão apresentando como "séria, ao mesmo que lúdica", e com um "toque de espírito libertino".
"Quando falamos das nádegas", diz um trecho do documentário, "falamos de nós mesmos".
Psicanálise e semiótica. Os autores propõem uma viagem multidisciplinar pelas diferentes representações do traseiro na história da humanidade, emprestando conceitos de história da arte, psicanálise, sociologia e semiótica.
Pochon e Rothschild falam a um país onde as referências ao que a revista semanal L'Express descreveu como "a parte mais subversiva da anatomia humana" não são incomuns.
"A pátria, a honra, a liberdade, nada existe: o universo gira em torno de um par de nádegas", disse o filósofo Jean-Paul Sartre, como lembrou o diário Le Monde.
Nesse contexto, a imprensa vem tratando esta celebração ao traseiro como "a cereja do bolo dos lançamentos natalinos".
"Há mil coisas a dizer sobre as nádegas", afirmam Pochon e Rothschild. "Elas nos falam sobre os fundamentos - no sentido literal e figurado - de nossa sociedade, os seus tabus e os seus desejos", refletem.

fonte: http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/bbc/2009/12/09/ult2242u2022.jhtm

domingo, 6 de dezembro de 2009

CARTA

Siento viajar tus ojos y
Es distante El otono.
Pablo Neruda.

Para sempre lembrar
Que não mais existo em ti,
Destruirei todos os vínculos de ternura
Fincados na superfície da lembrança.
Esquecerei o riso abraçado ao sonho,
O ritmo da busca do grito
Ancorado no alpendre da loucura.
Esquecerei a candura de um simples
Gesto lançado ao acaso.
Esquecerei teu nome fora
De minha boca,
Quando muito, um murmúrio, um lamento...
Para sempre lembrar
Que não sobrevivi,
Esquecerei outonos passados
Quando negras amoras sorriam
Nos galhos pejados.

Mas como não imaginar tua boca violácea,
Doce, dulcíssima, na minha (num outono passado)?

Esquecerei que tantas vezes
Celebrei teu nome impunemente,
Vadiando o pensamento malino
Nas madrugadas esferográficas
Em que estrelas invadiam a janela das têmporas.



Ah! Meu canteiro de orquídeas!
Quem te batizou sem alma?


Destruirei todos os vínculos.
Ruminarei todas as mágoas.
Semearei outros sonhos na vitrine de meus olhos.
Esquecerei que minhas mãos navegaram tuas carnes
Desvendando todos os segredos,
Espalhando mel na pele quente,
Derramando vinho nas curvas,
Semeando cerejas e beijos
(mágico ritual de desnudar encantos).


Difícil compreender
A dor de perder
O que não se teve.
Difícil entender saudade
Do que nunca existiu.
Difícil tolerar minha imaginação
Capaz de criar detalhes
De um absurdo.
Hoje, quando observo tua postura de mármore,
Não admito como pude acreditar em mim.



BASTOS, Almáquio. Ciclo do Nada, 1996, p 63)

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Músicas Goianas na fase final do Festival nacional da Associação das Rádios Públicas do Brasil

Recebo do amigo Itamar Pires, via e-mail, a seguinte informação : "Duas músicas goianas estão na fase final do Festival nacional da Associação das Rádios Públicas do Brasil, são elas "Labirinto", música instrumental de Nonato Mendes, e "Onde você for" de Francisco Aafa. Está havendo votação pela internet, aí peço que votem nos nossos artistas. As músicas são excelentes e foram selecionadas para a etapa nacional depois de terem vencido a etapa goiana, que foi organizada pela Rádio Universitária. O link está aí embaixo".

http://www.arpub.org.br/
 
OUVI E VOTEI. Vale a pena conferir. Gostei das duas músicas, mas especialmente a do Francisco Aafa. OUÇA E VOTE.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

PÊSSEGO



Manoel de Barros
Proust
Só de ouvir a voz de Albertine entrava em orgasmo. Se diz que:
O olhar de voyeur tem condições de phalo (possui o que vê).
Mas é pelo tato
Que a Ponte do amor se abre.
Apalpar desabrocha o talo.
O tato é mais que o ver
É mais que o ouvir
É mais que o cheirar.
É pelo beijo que o amor se edifica.
É no calor da boca
Que o alarme da alma grita.
E se abre docemente
Como um pêssego de Deus.


OBS: “Ella” é uma escultura de 12 metros feita com pêssegos como parte de uma campanha promocional de um fabricante de produtos para pele da Austrália. (foto) http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.netfrases.com/wp-content/uploads/2008/09/ella.jpg&imgrefurl=http://www.netfrases.com/escultura-gigante-de-uma-mulher-feita-de-pessegos.html&usg=__VTozDCmGBzG6ZMQjU_QWnVywC8A=&h=279&w=500&sz=27&hl=pt-BR&start=229&sig2=uL7R3tzWDM6rNPMeiDxiYg&tbnid=c7CaZLGYHYVEyM:&tbnh=73&tbnw=130&prev=/images%3Fq%3Dpessegos%26gbv%3D2%26ndsp%3D20%26hl%3Dpt-BR%26sa%3DN%26start%3D220&ei=0wLmSqLEBYu0tgfJhN3LCA

CASSETADA POÉTICA



Tenho aprendido muitas coisas com o silêncio, inclusive domar palavras. Quando me recolho, percebo que, pouco a pouco, os sons vão se diluindo, diluindo, até restarem somente aqueles que são imperceptíveis no caos da normalidade. É aí que surgem as palavras que precisam ser domadas. Elas surgem do nada, lambuzadas de significados equivocados, arrogantes. A primeira coisa que faço é despi-las, retirar aquela roupagem manchada, cheia de nódoas e mágoas, para depois lavá-las. Torná-las isentas. Não é fácil, muitas se rebelam e não aceitam o tratamento. Semanticamente, já estão tão contaminadas de tal forma que o significado original não lhes cabem. Nesse caso, melhor deixá-las assim mesmo, travestidas.
Foi em num desses meus recolhimentos que levei uma surra. O caos da normalidade estava me impedindo de perceber que amar é sentimento, mas, também é atitude. A cacetada, ou melhor, a Paulada, veio neste poema de Paulo Leminsk:



objeto
do meu mais desesperado desejo
não seja aquilo
por quem ardo e não vejo


seja estrela que me beija
oriente que me reja
azul amor beleza



faça qualquer coisa
mas pelo amor de deus
ou de nós dois
seja

sábado, 10 de outubro de 2009

CICLO DO NADA



Não tenho vocação para Sísifo.

Pesa-me o ato
De amarrar os sapatos todos os dias
E caminhar rumo ao osso ofício,
Na mesmice de construir escombros.
Animal marcado para morrer,
O matadouro me espera. Sou
O boi resignado no curral
Da angústia.
Observo o passar dos anos:
Numerados e inférteis,
Me convocam à sepultura.
Como conter este ruído
De paredes desabando dentro de mim?
Na contramão dos dias
Viajo e,
De tanto aprender não ser,
Desaprendi saber quem sou.
De fora, quem me olha,
Vê fácil a construção do sorriso.
Porém nada tenho nos bolsos,
Senão o rascunho de uma vida
Com DeFeiToS especiais.


O que mantém na luta é o luto:
Absoluto pudor frente à morte.


Todas as manhãs,
Amarro meus sapatos
E caminho sem caminho
Meu destino tão vulgar.
No ônibus lotado, sinto o odor
Da sociedade (Quem não anda de ônibus
Não sabe o que é coletividade).
Passageiro, visto a paisagem
Com meus olhos: telhas sujas de tempo,
Muros visitados por grafiteiros,
Lixo remexido
Por mãos infames
De quem padece fome.
Meu osso-ofício roído é ruína.
Quero rasgar minha certidão de nascimento
E me esconder de novo
Na barriga de minha mãe.
Eu, aquém de mim mesmo,
Nunca me libertei do assombro
De não ter um passado no futuro.
Se há uma forma de interromper
O ciclo do nada,
Onde o fio da meada?
Nascido na véspera do futuro,
De que me adianta o brilho
Néon do engano
Se não consigo evitar a calvície
De meus sonhos?
Das cavernas,
A angústia me consome.
Da pedra lascada
À Internet,
Nada mudou.
Nos cromossomos
Somos os mesmos:
Pânico diluído nos gens.
Se a cabala fala,
O que me cala é o medo
Que meço a polegadas
No tic-tac de meus dias.
Intriga-me
O ciclo,
Pois sei que neste exato momento,
Em algum lugar,
Alguma coisa acontece:
Alguém está nascendo,
Alguém está morrendo,
Alguém está sendo assaltado,
Alguém está se masturbando,
Alguém está tendo um orgasmo,
Alguém está assistindo televisão,
Alguém está ouvindo música,
Alguém está passando fome,
Alguém está se suicidando,
Alguém está sendo abortado,
Alguém está sendo abandonado,
Alguém em algum lugar está...
E tudo enquanto você lê este poema,
Que não resolve em nada
A construção do mundo,
Mas não anula
A alegria da borboleta
Na ornamentação
Do amanhã que jamais verá.
E eu estou aqui,
Dentro deste planeta
Que, de alguma forma,
Está dentro de mim.
Ou é o contrário?



BASTOS, Almáquio. Ciclo do Nada, Ed. Do autor. Goiânia: 1996 p. 45



Este poema conquistou o 1º lugar no II Concurso Nacional Região de Iporá de Conto e Poesia, uma promoção da Prefeitura de Iporá, Faculdade de Ciências e Letras de Iporá, com apoio da UBE-Goiás e da Fundação Cultural Pedro Ludovico Teixeira.

Conquistou também o 2º lugar no 1º Concurso de Poesia Pero Wilson – Março de 1996.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A SUBJETIVIDADE RELACIONAL DA LEITURA DO LIVRO “CICLO DO NADA”


* Elcilene Gomes Moreira

BASTOS, Almáquio.Ciclo da Nada. Goiânia: 1996. ed. do autor.





Ciclo do Nada é um livro de poemas composto por duas partes, “Estação estéril” e “Estação do Cio”. Existe coerência e correspondência nas partes, embora ocorra “tipos diferentes” de poesia.


Na primeira parte, percebe-se um texto pleno de denúncia social, preocupação com o ciclo que rege a vida, com o esfacelamento e coisificaçao do “eu”. E na segunda,vemos uma poesia que valoriza o erotismo, aquele que é livre, não tem censuras, sem ser vulgar.


As estratégias textuais para esses poemas são percebidas por meio dos títulos que são sugestivos, segundo Salvatore D’ Onofrio, o “ primeiro contato que temos com um poema escrito é a visão de sua configuração gráfica; apresentas-se com uma feição plástica, um todo orgânico, composto de uma cabeça e de vários membros. A cabeça é o titulo, que engloba espacialmente as demais partes do poema, por estar por cima e numa posição de destaque.”(2001, p. 07)


Poemas como “Declaração”, “Ciclo do Nada”, “Ciclo do Sexo”, “Triângulo da bermuda” e “Metamorfose”, tem em seus títulos a indicação do assunto, bem como a construção sintática e gráfica indicam as possibilidade semânticas.


A disposição do verso causa, também, o efeito de sentido: nos verso a seguir temos uma construção, que fornece-nos as várias possibilidades de forma e de sugestão interpretativa que a(s) palavra(s) pode(m) ter:


(...)


No tanque,


d i s


      t r a i d a


                m e n t e,


ela lava roupas:


             saia curtinha


             pernas roliças


            vento brincalhão.
                  (...)
(Sonho erótico, p. 73)


Essas estratégias vão nortear toda a criação do Ciclo do Nada. Os seu verso é livre, assim como a sua expressão. Toda a composição é coesa. A capa, por exemplo, é bastante sugestiva. Há o jogo das cores vermelha, amarela, verde e preta formando uma imagem surreal, onírica, que ao mesmo tempo parece com um corpo humano, apresenta ser um monstro, o caos. Poderia ser interpretada como a idéia do ciclo do nada nas artes plásticas.


A inquietude do eu-lírico do poema “ciclo do nada” (mesmo titulo do livro) começa com um verso de forte expressividade: “Não tenho vocação para Sísifo”. Essa negativa nos confronta sobre que sentido tem em repetirmos todos os dias os mesmos atos, seqüência em que a legitimidade das atitudes tem seu significado diluído pela aparente superficialidade das coisas. Esse tema permeia todo o livro, bem como o erótico como no poema “ciclo do sexo” que expressa as relações entre o homem e a mulher, suas “causas e conseqüências”.


Há um universo em cada um de nós, por isso, acabamos por construir a concepção de que a vida acontece a partir de nossa subjetividade, e que o finito só se torna realidade quando nos confrontamos com o outro. Ora, esse “outro” pode ser concebido como outro Ser Humano, ou a Morte, ou o Tempo.


E é no momento da sensibilidade do poetar ou do sentir a poesia que podemos levantar, encontrar e dar sentido a questões que antes não tinham relevância. A insatisfação perante a vida, a fragmentação do ser, fatos simples do dia-a-dia, que não atribuímos o seu real valor são reflexos da nossa passividade como sujeitos no mundo, e revelam a impotência diante do Tempo e do Sistema que nos devora.


Chama, também, a atenção da procura incessante da forma “pura”, isto é, aquela que tínhamos na segurança do ventre materno; ma metáfora de que nunca somos os mesmos desde o momento no qual somos gerados, de que o relógio não pára, e que o homem pouco evoluiu:


“Da pedra lascada à Internet,


Nada mudou.


Nos cromossomos


Somos os mesmos:


Pânico diluído nos gens.”


(Ciclo do Nada, p. 45)


Do que adianta todos os dias seguirmos a nossa rotina, nos adaptarmos ao calendário, nos conformarmos com os feriados e finais de semanas, se não tivermos a consciência de nós mesmos. E, assim, ficamos sem perceber a mazelas e (in)coerências que nos circundam de maneira tal que não podemos, se não mudarmos o mundo, pelo menos tentarmos transformar o que existe em nosso interior.


A angústia da coisificação do sujeito é um dos temas recorrentes no Ciclo do Nada. O engano de que somos seres autônomos é desvelado:


“Somos milhões de “ninguéns”
náufragos do sonho varonil,
milhões de filhos da fruta
que não vingou.


Na espera da ração,
O que nos difere na fila?
Além da farsa, tudo é vão.
Catalogados,
somos apenas o consenso no Censo:
um número no formulário,
um código no computador,
um título de eleitor.”


(Cacos do descaso: panfleto anarquista, p.23)


A poesia neste poema, denuncia, com um “grito rouco”, o sistema sócio-politico-econômico. Há uma não-conformidade com a configuração estabelecida. Se há algo que se pode fazer,


“Arrisco tecer um poema
InCeNdiáRiO, mas,
Quando muito, faísco.”


Entretanto, é através dessa tentativa que essa “não-conformidade” produz efeito. Não calar a boca perante a hipocrisia dos puritanos, não deixar de sonhar, mesmo quando é nos impossível, deixar que o devaneio nos permita alçar vôos de desejos quiméricos realizáveis. Tudo parece um paradoxo, todavia, é possível que na realidade dos sentidos, do contato da pele, dos sentimentos eróticos, a vida encontre no ciclo do sexo o sentido para desconstruir o ciclo do nada:


MOMENTO I


O que falo
não é fala, é falo.
É o que entra em ti
sem abstração
e rompe limites
da umidade superficial.
É a busca
do aconchego uterino,
do visgo guardado
além do hímem
e do medo.
O falo de que falo,
Rígido volume viril,
às vezes, falha.
O sonho, não.
(p. 39)





MOMENTO II
 que falo
Não é falo, é fala:
Palavra.
Fórceps no cérebro
buscando o signo,
o símbolo, o selo
do sintagma.
Mágica volúpia
de tecer encantos.
E isto não cabe no corpo:
rompe o útero
a parede do quarto
o muro do quintal
e vira néon
no telhado do céu.
O que sai de mim
e entra em ti
nem sempre é sêmem.


( p. 41)


Essa relação intíma, porém, não se concretiza apenas no corpo. Há, além disso, a relação de idéias, pois é na conjugação dos sentidos e das idéias que pode haver, quem sabe, um ciclo virtuoso, do que se transforma em algo que tenha a irreverência de transgredir, se libertar, se (des)aprender, para serem sujeitos de metamorfoses conscientes que, carecidos de mudar, mudem; de falar, falem; de chorar, chorem; de amar, amem...


METAMORFOSE


Pela manhã,
no vestir a máscara do dia,
me transformo.
Nunca sou o que fui
e jamais decido com antecedência
o que serei.
(...)
Também posso ser água
que lambe rochas nas vertentes
e desvenda segredos
das fendas nos penhascos.


Ontem, fui orvalho.
Despertei com beijos úmidos:
as gramíneas abandonadas nas praças
os ciprestes boêmios
que dormem abraçados às cercas
e as damas-da-noite que perfumam
as madrugadas dos poetas.


Mas agora, ao vê-la assim,
vestida de seda tão leve,
não quero ser neve,
não quero ser jasmim.


Quero se abelha
que trabalha
ou vento sem pudor,
onde você, flor.


(Metamorfose, p.55)






Ora, segundo uma citação em o Ciclo do Nada, do filme “Sociedade dos poetas mortos”,

Poesia não se interpreta, nem se explica.
Não é coisa de livros velhos a ser decorada para exames:
ela está viva, é irreverente, é a chave da imortalidade,
é o que pode impeli-los
de levar uma vida de desespero
impotente e morrer sem ter sabido que viveram.


poesia pode ser sentimento, pode ser a realidade insensível transposta para a realidade sensível. Pode ver, dar significados polissêmicos que nos possibilitam perceber a essência dos seres. Não uma essência imaginada, mas percebida de tal maneira que tornamo-nos capazes de nos despir de quaisquer amarras do que não é liberdade, para nos prendermos, por vontade, àquilo que realmente tem e faz sentido. Não apenas na palavra, porém, com ela e através dela, podemos crer que, junto com o poetar, assim como fez nosso amigo Almáquio, abriremos trilhas por caminhos que, por vezes já foram trilhados, descobriremo-nos sem pudor, pois a vida, apesar de qualquer ciclo, está acima do nada.


Esse nada que se configura como o monstro que nos devora – assim como a capa do livro (óleo sobre tela do artista plástico Ivanor). O nada que nos torna reféns de nós mesmos faz-nos desacreditar que, mesmo com a existência inevitável do tempo que corrói e do Sistema que nos anula e aprisiona na simultaneidade da Vida, há uma criança que nasce, uma chuva que cai, um sorriso sincero, um poema que salva alguém do tédio, “a alegria da borboleta/na ornamentação/do amanhã que jamais verá”


A poesia é então, usando os versos do Almáquio, “questão de vida ou morte”. Pois, não basta apenas reconhecer a incompletude do ser, é necessário doar sentido, como disse Alfredo Bosi : “o Poeta é O doador de sentidos”. Dos sentidos, percebe-se que a complexidade do universo interior do homem vai além do signo. Entretanto, é através dele, o poeta, que nos é revelado os tesouros guardados nos recônditos do coração e da mente profícua de poetas como Mario de Sá-Carneiro, Álvares de Azevedo, Luis de Camões, Almáquio Bastos, Augusto dos Anjos...


Eu e o livro: a Subjetividade Relacional


Quando foi dada a proposta para que escolhêssemos um livro ‘qualquer”, confesso que poderia ter escolhido muitos outros. Porém, preferi fazer o trabalho com o livro Ciclo do Nada. Foram três riscos que corri. Primeiramente, porque era para escolher uma obra que não tínhamos lido. Logo, a natureza do que foi pedido já estava sendo alterada. Segundo, o livro teria que ser, de preferência, narrativo. Ciclo do nada é um livro de poemas. E terceiro, o autor é justamente um amigo da Faculdade de Letras, desafio que me aventurei aceitar.


Falar da minha relação com o livro é, também, revelar um pouco da minha relação com o autor.


Almáquio Bastos Filho é uma grande pessoa que conheci na universidade, em 2000. éramos colegas de Curso e sala de aula. Aquele homem sério, até então, não havia chamado a atenção. Entretanto, precisamos fazer trabalhos e apresentá-los juntos. E foi nesse intervalo que descobri no Almáquio, não apenas um aluno aplicado mas, um homem pleno de sonhos e ambições, sobretudo, um escritor.


A minha reação foi imediata: “ estou tendo o privilégio de estudar com um Poeta!”. Ciclo do Nada foi uma experiência de leitura inédita, posto que eu nunca tinha lido um livro de alguém que conhecia pessoalmente e de convivência. A minha atitude não poderia ser outra – de reverencia e admiração.


Foi interessante conhecer o Almáquio “cotidiano e tributável” e o outro Almáquio “libertário, lírico, desvelador”. Perceber nos “dois” a sensibilidade de um ser humano potencializada em uma obra de arte, acompanhada por sua simplicidade, sinceridade e simpatia.


Em seus versos me emocionei, me aventurei. Depois da experiência de leitura e releituras do Ciclo do nada, constatei que, por trás de rostos “comuns”, existem universos ocultos que se deixam conhecer, em partes, por meio da escrita e que, nesses universos revelados, clareiam-se abismos nos quais, insistentemente, estamos sem rumo, perdidos em nós mesmos, impedidos, quem sabe, do fluir daquilo que poderá ser o instrumento de libertação do outro.


Todavia, Almáquio presenteou-nos com sua singular arte de poetar. O seu lirismo invade nossas mentes, penetrando nos 'abissais” do nosso universo; resgatando o nosso olhar para o horizonte e nos norteando para termos novas perspectivas do que é o Ser. Por tudo isso e muito mais é que posso não falar do livro desse exímio escritor como realmente ele merece, visto que, a densidade dos seus versos deixa-me em silêncio para apenas sentir e abstrair o máximo que a minha sensibilidade pode alcançar. Se ele mesmo diz que é aprendiz de poeta, então eu sou uma que é aprendiz de leitura de poesia.

* Trabalho apresentado em pela, então acadêmica, Elcilene Gomes Moreira, na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás, Departamento de Estudos Linguísticos e Literários, disciplina Português IV, cadeira do Profº. Dr. Agostinho Potenciano, em outubro de 2003.


Referências Bibliográficas:

BASTOS FILHO, Almáquio. Ciclo do Nada. Goiânia:edição do autor. ed. Pirineus, 1996.
BOSI. Alfredo.O ser e o tempo da poesia. 6ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
BRANDÃO. Junito de Souza. Mitologia Grega. vol. I . 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1986.
D’ ONOFRIO, Salvatore. Teoria do Texto 2: teoria da lírica e do drama. 1ª ed. 3ª impressão. Ed. Ática, 2001.

domingo, 20 de setembro de 2009

BARBINHAS RALAS E BIGODINHOS VERTICAIS


Quero ser feliz. Para isso, preciso de modelos. Há os livros de autoajuda, há a felicidade oficial da "mídia". Quero ser feliz e nas revistas vejo os ídolos modernos malhados, todos sedutores e comedores com a barbinha malfeita de propósito ("six o´clock shave") pegando as "modeletes" - todas rapadinhas com seus bigodinhos de Hitler no púbis (Brazilian wax). Barbinhas ralas e bigodinhos verticais são a última moda importada de NY para os garanhõezinhos e namoradas chiques.


Não estou criticando isso; estou é com inveja dessa ligeireza, tenho inveja da mediocridade dos objetivos. No Brasil de hoje, a burrice é uma bênção. Os homens-celebridades estão cada vez mais seguros de seus haréns, as mulheres mais belas. No entanto, velho romântico, penso: e a conversa de depois? Como manter aquela energia narcisista? Meu avô uma vez me gozou: "Quer namorada inteligente? Vai namorar o San Tiago Dantas... (intelectual da época)".


Quero ser feliz modernamente, mas carrego comigo lentidões, traumas, conflitos. Sinto-me aquém dos felizes de hoje. Não consigo me enquadrar nos rituais de prazer das revistas. Posso ter uma crise de depressão em meio a uma orgia...


Fui educado por jesuítas e pai severo, para quem o riso era um pecado; ensinaram-me que a felicidade era uma missão a ser cumprida, a conquista de algo maior, que nos coroasse de louros. A felicidade demandava sacrifício, uma luta sobre obstáculos. Olhando os retratos antigos, vemos que a felicidade masculina estava ligada à ideia de "dignidade", de vitória de um projeto de poder. Vemos os barbudos do século 19 de nariz empinado, os perfis de medalha, donos de um poder qualquer nem que fosse no lar, sobre a mulher e filhos aterrorizados.


Mas eu queria ser mais livre, menos vergado ao peso de tanta responsabilidade severa.


Por isso, quando cheguei aos 20 anos, meu ídolo passou a ser James Bond: bonito, corajoso, entendendo de vinhos e de aviões superssônicos, comendo todo mundo, de smoking. Ele era livre e mundano? Sim, mas mesmo James Bond se esforçava, pois tinha a missão de "salvar o mundo". Era um trabalhador incansável que merecia as louras que papava. Hoje, não. Nossos heróis masculinos não trabalham ou ostentam uma "allure" ociosa e cínica.


A mídia nos ensina que os heróis da felicidade não têm ideal algum a conquistar, a não ser eles mesmos. A felicidade é uma construção de bom funcionamento, de desempenho. O ideal de felicidade é o brilho do prazer sem conflitos, sem afetos profundos - todos sorridentes e simpáticos, porque é mais "comercial" ser alegre do que bancar os velhos heróis, que carregavam a dor do mundo. O herói feliz passa a ideia de que não precisa de ninguém. Para o herói da mídia, o mundo é um grande pudim a ser comido. Sem compromissos, ele quer sexo e amor, sem amar ninguém. Há um "donjuanismo" consentido, pois as mulheres não defendem mais virtudes castas - ao contrário, cada vez mais imitam o comportamento deles. Desejam ser "coisas" se amando. Assim como a mulher deseja ser um "avião", uma máquina peituda, bunduda, sexy, o homem também quer ser uma metralhadora, uma Ferrari, um torpedo inteligente e, mais que tudo, um grande pênis voador, superpotente, frívolo, que pousa e voa de novo, sem flacidez e sem angústias. O encontro humano virou um modelo de armar, um "lego" de carne. O herói macho A se encaixa em heroína fêmea B e produzem uma engrenagem C, repleta de luxo e arrepios entre lanchas e caipirinhas, entre jet skis e BMWs, num esfuziante casamento que dura, no máximo, três capas de "Caras".


E de tudo isso emana uma estranha "profundidade superficial" (desculpem o oxímoro), porque esse diletantismo raso tem o charme de ser uma sabedoria elegante e "contemporânea".


Meu homem é antes de tudo um forte, mas um negador. Para ser feliz, precisa negar, renegar problemas, esquecer, não lembrar das tristezas do mundo. Sua receita de felicidade: não pensar em doenças, ignorar o inconsciente, lamentar a miséria sem nada fazer por ela. O macho brasileiro tem pavor de ser possuído ou tomado pela fraqueza da paixão. Não há entrega; basta-lhe o encaixe.


Meu homem moderno almeja orgasmos longos, ereções vítreas sem trêmulas meias-bombas; meu homem feliz quer ser malhado e esportivo, se bem que informado e cínico; meu homem conhece bem as tragédias modernas, mas se lixa para elas, não por maldade, mas por um alegre desencanto.


Meu homem vive em velocidade. O mundo da internet, do celular, do mercado financeiro imprimiu seu ritmo nele, dando-lhe o glamour de um funcionamento sem corrosão, sem desgaste de material, uma eterna juventude que afasta a ideia de morte ou velhice. Felicidade é um videoclipe; angústia é Antonioni.


Assim, meu homem feliz é casado consigo mesmo.Mas, chega um dia em que o herói deprime, um dia em que a barriga cresce, o amargor torce-lhe os lábios, o "passaralho" cai, e o homem feliz percebe que também precisa de um ideal de encontro, de algo semelhante à tal velha felicidade.


Ele começa a perceber, confusamente, que a verdadeira solidão é apavorante. Daí, ele faz tudo para evitar a ideia de morte, de fim, senão sua liberdade ficaria insuportável.


Com a idade, ele percebe que não há apoteose na vida. Nada se fechará numa plenitude, nada se resolverá inteiramente.


Daí, ele passa a viver um paradoxo: ligar-se sem ligar-se. Ele percebe que precisa do amor ou do casamento ou de mais poder como uma "esperança de sentido".Aí, sua tentativa de felicidade fica "em rodízio", como em uma churrascaria: amor, poder, sexo. Em vez de se conformar com essa mutação sem finalidade, ele tenta satisfazer-se numa eterna insatisfação.Como um James Bond fracassado, como um Tom Cruise envelhecido que jamais perde a pose. Nem para si mesmo. E se gasta nessa "Missão Impossível".


Publicado no Jornal O POPULAR - Magazine ed. de 15/09/2009

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

REVOLUÇÃO SEXUAL


No átrio dos desejos,
Arena de indômitas vulvas,
Hímens desafiam homens.

Tombado o tabu no gineceu,
Mulheres meninas
Masturbam mentes masculinas
E antecipam o himeneu.

(A perseguida
Transformou-se e perseguidora
E com furor uterino
E gula bilabial
Rompeu um paradigma machista,
Corrigindo um equívoco cultural:
__Quem come quem?)

No podium, sob finíssima lingerie,
A flor deflorada,
ladeada por sensual
borboleta tatuada,
declara sem pudores,
que chegou o tempo das flores.


Sob o Signo de Eros, p. 75

domingo, 16 de agosto de 2009

O BELO SEXO DOS HOMENS


Em "O Belo Sexo dos Homens", filósofa narra redescoberta do corpo masculino


MARTA BARBOSA Colaboração para o UOL



Florence Ehnuel é o pseudônimo de uma filósofa e psicoterapeuta francesa ocupada em relacionar a filosofia à vida cotidiana. Professora bastante atuante em Paris, ela até já recebeu um prêmio da Académie Française, em 2004, por aplicar o que chamam filosofia moral. Não é, por assim dizer, uma mulher vazia, muito menos desocupada. E talvez ai esteja o ponto forte do seu livro "O Belo Sexo dos Homens" (tradução de Véra Lucia dos Reis, publicado no Brasil pela Objetiva).

Em "O Belo Sexo dos Homens", filósofa narra redescoberta do sexo masculino.
Bruna Surfistinha e Catherine Millet a parte, trata-se de um testemunho bastante detalhado da redescoberta do corpo masculino e o ressurgimento da própria sexualidade. Por volta dos 35 anos, Florence deixou o confortável espaço num casamento tradicional e se viu estimulada a viver aventuras amorosas. Não perdeu tempo.Dos encontros casuais, relatados com pouco romantismo no livro, mas com muito erotismo, Florence foi construindo um mosaico interessante de descobertas sobre o corpo masculino. Despertou, como ela própria faz questão de esclarecer, para as belezas do sexo, que não tem nada a ver com amor ou casamento, mas que se tornaram complementares na sua vida.A partir de suas próprias experiências, a autora vai liberando suas teses a respeito da sexualidade feminina. Aborda, por exemplo, a questão da poligamia em tempos modernos. Florence rejeita o sentido clássico de fidelidade. Desdenha qualquer relacionamento baseado no monopólio. "Parece que se apaixonar resulta em exclusividade, na concentração de toda a energia numa única pessoa", escreve. "Não sei por quê, mas eu diria que, para mim, é o oposto. Estar apaixonada por um homem me torna apaixonada por todos os lados."Da mesma forma, o ciúme é visto como alguma coisa no mínimo desnecessária. Justificado, no máximo, como uma reação espontânea, incontrolável algumas vezes. Mas como base de regra de vida, um sentimento sem sentido, alienante, para dizer o mínimo. A escritora se justifica usando uma comparação no mínimo inusitada: relaciona o homem a um pico dos Pireneus. "Acho-o esplendoroso e sonho em escalá-lo regularmente. Apesar desse entusiasmo, não gostaria que me dissessem que será a única e exclusiva caminhada que terei o direito de fazer na vida, ou até mesmo no próximo decênio."Mas não se engane. "O Belo Sexo dos Homens" não é um livro sobre a promiscuidade. Embora seja um relato capaz de deixar qual feminista de cabelo em pé, há um discurso social no testemunho de Florence. No fundo, parece o relato libertador de uma mulher que venceu a opressão sexual assumindo um papel de protagonista quando o assunto é sua própria sexualidade.A autora assume, por exemplo, certo prazer em ser frágil diante do homem. Diz que a força masculina é um ponto de atração na relação heterossexual, e que não há submissão alguma em ser carregada, cortejada, e tratada como um ser delicado no jogo da conquista. Também relata a observação do corpo como uma parte da relação sexual tão desejada quanto a penetração, ou o gozo. A escritora permite-se e defende o exibicionismo e o voyeurismo sem conotação patológica, mas sim como um estágio da intimidade, absolutamente necessário no espaço onde todo o desejo é permitido.Para dar crédito a suas teses sobre sexualidade feminina, Florence cita de Jean Renoir a Platão. Deriva do "Banquete", aliás, a lição de poligamia que a autora sustenta. "Platão ensina que o amor pelos belos corpos é o primeiro grau na ascensão para outros amores menos carnais e muito mais compensadores para a alma." Então tá.
"O BELO SEXO DOS HOMENS"Autor: Florence Ehnuel Tradução: Véra Lucia dos Reis Editora: ObjetivaNúmero de páginas: 112 Preço sugerido: R$ 39,90

http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/livros/resenhas/2009/08/16/ult5668u114.jhtm

sábado, 15 de agosto de 2009

SEM MEDO DE MEDUSA




Meia dúzia de medusas
Não me assombrariam
Se nas sombrias sobras petrificadas
Vicejasse alguma poesia.

Narciso anão
Meu espelho
Seu rosto espelha

Incansavelmente
Contemplo a face amada
Na líquida lâmina espelhada.

Ser poeta é isto:
Admirar a musa
Ainda que medusa


BASTOS, Almáquio. Sob o signo de Eros, p. 67

Ilustrução capturada no site http://fantasy.mrugala.net/Greg%20Horn/

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

QUAL A "FUNÇÃO" DA LITERATURA?

Carta ao Professor

por Ricardo Azevedo.


Somos condicionados, pela cultura utilitária que nos rodeia e sufoca, a acreditar que tudo tem uma função. Trata-se de uma crença equivocada e desumana. As coisas mais importantes da vida costumam ser justamente aquelas sobre as quais não cabe falar em função. Qual a função da amizade? Qual a função do sublime? Qual a função da saudade? Qual a função da vida?

Embora não faça sentido falar em “função” da literatura de ficção e poesia, sua importância é indiscutível:

1. Através da literatura entramos em contato com temas humanos complexos, ausentes dos livros utilitários, mas essenciais: a paixão, a busca do autoconhecimento, a angústia, a luta do velho contra o novo, o ciúme, a confusão entre a realidade e a fantasia, a mentira, a existência de diferentes pontos de vista sobre um mesmo assunto etc.

2. Narrativas construídas acumulativamente, com começo, meio e fim, podem nos ensinar a elaborar o processo, portanto, o sentido de nossa própria vida. Para Varga Llosa a ficção “...goza daquilo que a vida vivida – em sua vertiginosa complexidade e imprevisibilidade – sempre carece: uma ordem, uma coerência, uma perspectiva, um tempo fechado que permite determinar a hierarquia das coisas e dos fatos, o valor das pessoas, os efeitos e as causas, os vínculos entre ações.”

3. A literatura, principalmente através da poesia, possibilita o contato direto com o discurso subjetivo. Compare o texto didático e impessoal “ A água ferve a 100º com “uma parte de mim/ é todo mundo/ Outra parte é ninguém/ fundo sem fundo/ uma parte de mim/ é multidão/ outra parte estranheza/ solidão(...)” *

4. Pode trazer personagens paradoxais, por vezes incoerentes, mergulhadas num constante processo de amadurecimento, lutando para construir o significado da própria vida ( e evitar a visão idealizada do homem, ou seja, sua apresentação com um ser esquemático, lógico e previsível, sem conflitos e sem humanidade).

A literatura tem outras ótimas qualidades, mas o espaço é curto. O contato com temas da vida concreta e com vozes diferentes das nossas pode, por meio da identificação, construir um extraordinário recurso de humanização e sociabilização. Em tempos de consumismo sem limites, individualismo doentio e coisificação do homem – com efeitos nefastos numa sociedade desequilibrada como a nossa – a leitura de ficção e poesia pode ter um papel regenerador e insubstituível.


  • Traduzir-se” de Ferreira Gullar, Toda Poesia, Rio de Janeiro, José Olimpio, 1991


Ricardo Azevedo é escritor, ilustrador e pesquisador. É autor, entre outros, do premiado livro Um Homem no Sótão (Ed. Ática, 2004) www.cartanaescola.com.br

quarta-feira, 15 de julho de 2009

TERCEIRIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: CÂNCER NO SEIO DA SOCIEDADE MODERNA?

A vida me ensinou muita coisa e uma delas foi aprender a ler o que não está escrito. Os anos me legaram mais que cabelos brancos. Com o tempo aprendi a importância de tirar lições das mais diversas situações, mesmos que sejam situações, aparentemente, inaproveitáveis e todo o lucro auferido seja apenas a certeza de que aquilo não merece ser repetido.

Um incidente qualquer, por mais banal que possa parecer à maioria das pessoas, pode ser excelente combustível para um cronista, assim como uma nesga de luz, vazada por entre as frestas de uma velha janela de madeira pode iluminar a mente de um poeta. Do mesmo modo, a curva de um rio ou o olhar triste de uma criança pode encher de cores uma tela branca sujeita a emoção de um pintor. Embora muitos não percebam, a vida é assim. Tudo pode ser matéria nas mãos do artista.

Entretanto, poetizar nem sempre é indolor, assim como nem sempre as contemplações são matérias primas de arte. Aprende-se muito com a dor, com o erro e também com o simples ato de observar.

Minha avó era analfabeta, não sabia escrever, mas sabia ler as coisas que não estavam escritas em papel. Em contrapartida, em minha vida profissional, já trabalhei com chefes pós-graduados, mas incapazes de perceberem qualquer coisa além das encardidas letras dos manuais. Somente o tempo me trouxe a serenidade de compreender que a vida é uma escola que precede a escola.

Hoje, por exemplo, eu tive uma aula importante. Minha esposa me pediu que a levasse ao centro da cidade a fim de comprar algumas coisinhas. Tentei persuadi-la a ir a um dos Shoppings da nossa capital, como ela mesma sempre prefere, mas desta vez ela foi enfática ao dizer que queria visitar algumas das lojinhas que ficam ali no centro de Goiânia, mais precisamente nas proximidades da Avenida Goiás com a Avenida Paranaíba, próximo ao mercado aberto. Como discutir com alguém que tem, em si, um parque de diversões à nossa disposição, mas também tem TPM? Lá fomos nós. A propósito, o mercado aberto deveria mudar de nome. Eu o batizaria, sem medo de errar, de “inferno a céu aberto”. Se Dante Alighieri o tivesse conhecido, certamente o teria mencionado na sua obra “A Divina Comédia”.

No princípio do tour, eu até que me esforcei para acompanhá-la. Comecei a olhar as alguns objetos, mas, antes de finalizar a primeira dezena de lojinhas, pedi arrego. Preferi ficar do lado de fora, fazendo papel de segurança. Melhor assim, pensei, porque as mulheres não são práticas como nós. Quando elas dizem querer um sapato, olham bolsas, lenços, roupas, bijuterias, olham tudo como se fossem comprar o conjunto. Na verdade estão apenas conjecturando as duas mil setecentos e trinta e nove possibilidades de combinações de um acessório com o outro, inclusive com aquele esquecido no fundo da gaveta, que todas possuem em casa e que dificilmente usam. Os maridos atentos sabem do que eu estou falando.

Por isso, seria extremamente proveitoso se todo centro comercial criasse um cantinho para os maridos, como os que já existem em alguns eventos direcionados ao público feminino. Bastariam alguns sofás, uma TV de tela plana com, no mínimo, vinte e nove polegadas, ligada a um canal fechado de esportes ou notícias e cafezinho. Coisas simples, pois não somos exigentes. A grande vantagem é que assim as mulheres teriam mais de tempo e ainda se livrariam da incomoda sombra de companheiros mal humorados.

Como ali na Avenida Goiás, próximo ao inferno a céu aberto, isso é utopia, comecei a observar as pessoas que passavam. E não eram poucas. Uma das primeiras lições do dia, depois do exercício de paciência, foi que a maioria das pessoas não existe no mundo real. São personagens tipológicas oriundas do cinema fantástico ou dos comerciais de TV. Elas se misturam com a população, fazem amizades, casam-se, tem filhos e, sem serem notadas, passam a fazer parte das comunidades. Nos longos minutos que ali fiquei, em catarse, vi muitos que, provavelmente, participaram daquele clip famoso, thriller, do inigualável alienígena Michael Jackson.

Entretanto, as lições mais importantes do dia brotaram da minha inquietação ao assistir algumas cenas comuns, porém inaceitáveis, de prática de maus hábitos. Particularmente, penso que muitos maus hábitos, que afetam a terceiros, deveriam ser considerados crimes ou, no mínimo, uma contravenção penal. A pessoa flagrada na prática criminosa pagaria multa e/ou cumpriria pena alternativa.

Naquela oportunidade, assisti um grande desfile de pessoas jogando lixo no chão, em via pública, com a mesma naturalidade com que respiravam. Foram copos descartáveis, guardanapos usados para segurar aquela coxinha pingando gordura adquirida no quiosque da esquina e devorada durante a caminhada, folhetos de propagandas, embalagem de salgadinhos industrializados, tipo Skiny, ótimos para serem consumidos por aqueles que não amamos. Evidentemente presenciei exceções, mas os deprimentes flagrantes são foram poucos.

Um grande número de pessoas desconhece a função de uma lixeira, ou simplesmente não tem paciência para tentar encontrar alguma, pois o poder público também não ajuda muito quando não faz sua parte, que é instalar lixeiras suficientes nos locais públicos.

Dentre os arremessadores de lixo, destaco os arremessadores de tocos de cigarros. Não pelo tamanho do objeto, mas pelo ato ritualístico. Os tabagistas assumidos, quando estão finalizando uma fumada, dão um último trago como se estivessem tendo um orgasmo. Logo em seguida, inclinam a cabeça em um ângulo de, aproximadamente, quarenta e cinco graus, entortam o canto da boca para o lado e lançam no ar um canudo de fumaça mal cheirosa. Finalizam o ritual com um gesto quase olímpico: prendem o toco aceso entre o polegar estendido e o dedo médio curvado na direção do primeiro. O segundo dedo se solta bruscamente, afastando-se do polegar e impulsionando o objeto, até então, preso que é lançado pela catapulta digital em algum lugar qualquer, a poucos metros de distância.

Finalmente, a lição mais contundente e repugnante. Cenas explícitas de cuspidas ou escarradas em locais públicos. O praticante deste mau hábito, ao ser flagrado, deveria receber, no ato, um papel toalha e então lhe seria solicitado a limpar os dejetos produzidos no íntimo de seu ser e lançados na calçada. O autor reincidente, após o constrangimento da limpeza pública, seria encaminhado à DDC, Delegacia de Defesa da Cidadania, para a aplicação das penalidades cabíveis.

Como afirmei no início deste texto, a vida ensina muita coisa. É sabido que nas escolas tradicionais, as lições são disponibilizadas a todos, mas o aprendizado é algo individual e nem sempre as informações geram conhecimento. Uma mesma sala de aula pode abrigar, simultaneamente, futuros profissionais respeitados e futuros bandidos procurados.
Em face desse dilema, pergunto-me: a escola formal tem conseguido formar cidadãos por meio da transmissão de saberes históricos-culturais institucionalizados? Eu mesmo respondo. Sim e não. E este paradoxo me inquieta.

Os pais têm negligenciado a educação de seus filhos, terceirizando-a a avós, babás, mas, sobretudo aos professores. Tenho conhecimento de que a conquista da cidadania, adquirida por meio de lições de ética, moral e bons modos, ministradas em salas de aulas, é um ideal belíssimo, mas as lições extraclasse, aplicadas no cotidiano, entre os membros da família, podem ser muito mais eficientes. Aquilo que minha avó referia-se como sendo “educação de berço”.
Por isso, creio que a terceirização da educação dos filhos por parte das famílias, principalmente por parte dos pais, aliada à ineficiência do Estado, sobretudo no ensino público, tem criado tantos seres irreconhecíveis que não seria exagero compará-la a um câncer no seio da sociedade moderna.

*Almáquio Bastos é Escrivão Policial Civil e Escritor.

VOLTANDO A FALAR DE SONHO

Sonho é matéria invisível Igual carícia de vento Pode ser lembrança vivida Ou coisas que invento. Quando meu coração Acorda sorrindo E diz...